Ter, 18/04/2017 - 10:33
Olá familiazinha! Estamos a viver a semana da Páscoa depois de algumas das nossas casas já terem recebido a visita de Jesus Ressuscitado na, ainda, visita pascal, havendo também outras localidades em que a visita pascal se faz tradicionalmente no próximo Domingo de Pascoela.
Chegou a hora de vos confidenciar que, dos 8 aos 14 anos, fui sacristão do saudoso cónego Ruivo, juntamente com o meu ‘professor’ de sacristia e meu vizinho na Rua Nova, Teófilo Machado, com quem aprendi a ajudar à missa e também a tocar os sinos da igreja da Sé. Conclusão: também fui sineiro! Tocava antes das missas dominicais, repicando quatro sinos ao mesmo tempo. Aprendi ainda a tocar a sinais, para anunciar a morte de alguém. Lembro-me ainda que tocando três vezes, com um intervalo de alguns segundos era para anunciar a morte de um homem; se fossem só duas vezes seria uma mulher que teria falecido. Também era usual, enquanto decorria o cortejo fúnebre de algumas pessoas mais abastadas, ser tocada a marcha fúnebre com os quatro sinos. Ainda me estão a saber bem os 20 escudos que me dava o saudoso Monteiro da funerária para estar a tocar os sinos até perder de vista o cortejo. Penso que a última vez que toquei a marcha fúnebre foi a 21 de Abril de 1987, no funeral do meu avô. Nunca mais me lembro de ter tocado mais vezes nem de que alguém o tenha feito. Esta semana vamos falar da importância do sino nas nossas terras.
Os mais antigos davam muita importância ao toque das Trindades e das Avé-Marias. Nem era preciso ter relógio! As Trindades determinavam muitos comportamentos na organização diária dos habitantes das nossas aldeias. Hoje em dia, em muitas aldeias do nosso distrito, ainda se lembra aos fiéis a hora certa de rezar através do toque do sino.
Além do toque da manhã e do fim do dia, toca-se também ao meio dia e algumas horas depois de escurecer. O toque da manhã é o toque das Avé-Marias, destinado a recordar o anúncio do Anjo Gabriel à Virgem Santa Maria. O da tarde é o das Trindades, ou à Santíssima Trindade. O toque da manhã marca o início do dia e do trabalho no campo. Ao meio-dia assinalava-se outro momento para rezar. À tarde, ao pôr-do-sol, reza-se após o dia de trabalho, antes de recolher a casa. Noite dentro as orações lembravam os entes que partiram já deste mundo.
Ainda em algumas terras, a responsabilidade do toque anda à volta pelo povo. Ou então são os mordomos, ou pessoas que o fazem voluntariamente, por devoção.
Recorda-se com saudade os tempos em que as almas dos que partiram eram lembradas, todos os dias e, sobretudo, na Quaresma. Dizem que a oração das almas era muito bonita. Quando era na Quaresma iam a encomendar as almas em volta do povo e cantavam muito bem
O toque das Avé-Marias, Trindades e das Almas, era uma prática que se usava em quase todo o país e está muito ligado à crença religiosa e também a algumas superstições. Uma das crenças mais arreigadas no povo transmontano era o toque para afugentar as trovoadas.
Em algumas aldeias ainda há a crença de revirarem o sino para o céu a fim de acalmar as trovoadas.
Para muitas crianças o toque das Trindades marcava o fim das brincadeiras na rua. Não era preciso a mãe e o pai irem chamar. Já se sabia que mal tocava o sino nove vezes (três vezes três), em intervalos a meio de cada três badaladas, era o sinal de recolha.
O sino também tinha a função de convocar o conselho da aldeia, (os ajuntamentos), presidido pelo presidente da junta, para resolver os problemas colectivos: o início dos trabalhos nos caminhos e arranjar os regos da água de rega. Nas aldeias da Lombada ainda se toca a conselho pelo menos uma vez por ano. O sino também toca a rebate, em casos de ocorrências mais graves na vida comunitária, como por exemplo os incêndios.
A altura do ano em que os sinos mais dobram é, sem dúvida alguma, a Páscoa, para anunciar a ressurreição de Jesus crucificado, principalmente nas aldeias em que há a tradição da fogueira. Um exemplo dessas aldeias é Terroso onde, à meia noite de sábado para domingo, o sino está sempre a tocar, revezando-se nesta tarefa todos os que se encontram ao redor da fogueira, a comer, a beber e a conviver noite dentro. O sino só pára de tocar depois de terminada a visita pascal na última casa da aldeia. As pessoas que moram mais perto da igreja não reclamam por não poderem dormir com o som dos sinos, porque sabem que nesta altura do ano é tradição que assim aconteça e toleram, coisa que não aconteceria durante o resto do ano, a não ser que o sino dobrasse fora de horas por motivos de catástrofe.