Um simples trecho de uma entrevista mais longa que o senhor Jeroen Djisselbloem, presidente do Eurogrupo, concedeu ao jornal alemão "Frankfurter Allgemeine Zeitung" mereceu o maior destaque nos noticiários.
Do resto da entrevista nada se disse mas as declarações em apreço provocaram reacções inflamadas de muitos políticos com responsabilidades de governação nos países do sul. Porque enfiaram a carapuça, só pode ser.
Jeroen Djisselbloem é quem é e serve a quem serve. Político assumidamente de esquerda entendeu agora, vá-se lá saber porquê, desancar a organização supranacional que lhe dá emprego e os colegas que governam a sul, insinuando que estes, incluindo os portugueses, portanto, gastam todo o dinheiro em bebidas e mulheres e de seguida pedem ajuda aos países do norte da zona euro. Embora ele, enquanto social-democrata, considere a solidariedade da maior importância.
Percebe-se que Djisselbloem se esforçou por ser bem-educado. Talvez tenha sido mal interpretado só por isso mesmo. Falou em bebidas, não explicitamente em vinho tinto, ou verde, em mulheres e não em damas prostitutas. Se tivesse proferido o popular aforismo português, teria tido muito mais graça, seria melhor compreendido e ninguém o teria levado tão a sério, por certo.
Mas, deixemo-nos de cantigas: Jeroen Djisselbloem, ainda que desastradamente, descompôs os seus colegas políticos, não as mulheres de vida fácil ou difícil, ou os povos do sul que, toda a gente sabe, são tão europeus como os do norte.
A verdade é que os Estados do sul chafurdam na corrupção e vivem à beira da banca rota e na dependência dos Estados do norte. Não por culpa daqueles que a sul trabalham ordeiramente aguentando, resignados, os sacrifícios relapsos a que os seus governantes os submetem, quando não os forçam a emigrar, em massa, para norte, precisamente.
Embora a norte até nem haja mais sol e melhores praias, hortas e pomares, nem seja verdade que os nórdicos são mais inteligentes e trabalhadores ou que as mulheres loiras são mais belas que as morenas. Tão pouco o petróleo do Mar do Norte é bastante para explicar a riqueza de uns e a pobreza de outros.
A vida airada dos políticos sulistas, essa sim, contrasta claramente com a sobriedade nórdica. Basta comparar o estilo de vida dos ministros e dos deputados portugueses com a dos congéneres suecos ou finlandeses, ou os gastos da Presidência da República portuguesa com os da corte norueguesa.
Devemos por bem concluir, portanto, que o ainda presidente do Eurogrupo disse verdades como punhos. Tanto assim é que apenas a bebida e as mulheres empolgaram os governantes visados. Já o contraste norte-sul, que deve ser assacado aos políticos e às prácticas políticas, tão-somente, não parece incomodá-los minimamente.
Falamos do contraste socioeconómico, que não tem razão de ser, e não das diferenças históricas e culturais que essas são louváveis e devem ser preservadas.
Não façam de Djisselbloem um bode expiatório por mais bronco que o homem possa ser.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.
Verdades como punhos.
Henrique Pedro