O Testamento Vital ou Diretiva Antecipada de Vontade existe legalmente há mais de um ano. Este documento permite aos utentes exercer um direito fundamental: decidir o que querem ou não em termos de tratamentos de saúde na fase final da sua vida.
A Unidade Local de Saúde (ULS) do Nordeste disponibiliza apoio ao nível do preenchimento do Testamento Vital e tem colaboradores com formação específica para esclarecer os utentes sobre este documento.
No Olho Clínico desta semana, a Dra. Sílvia Costa, Diretora Clínica dos Cuidados de Saúde Primários da ULS Nordeste e responsável pela validação dos testamentos vitais apresentados na instituição, o Dr. José Clemente, médico e também responsável pela validação deste documento na instituição, a Dra. Maria de Jesus Lopes, responsável do Gabinete Jurídico da ULS, e José Manuel Cabanas, Coordenador Técnico ligado ao processo administrativo de receção do Testamento Vital, explicam o que é e quais as vantagens deste documento para os utentes.
O que é o testamento vital?
É um documento que permite ao cidadão inscrever os cuidados de saúde que pretende ou não receber e permite também a nomeação de um procurador de cuidados de saúde, que é uma pessoa chamada a decidir, em nome do utente, sobre os cuidados de saúde que deve ou não receber, quando este se encontre incapaz de expressar a sua vontade de forma autónoma. Deve ser uma pessoa da confiança do utente, que pode ser ou não um familiar.
Porque é que surge este documento?
Com o Testamento Vital, a decisão ao nível dos tratamentos em final de vida cabe ao utente e deixa de estar nas mãos do médico. “Há uma mudança de paradigma”, sublinha a Dr.ª Sílvia Costa, acrescentando que o médico tem o conhecimento, transmite-o ao utente, que por sua vez decide sobre a sua própria saúde, de acordo com a sua vontade, com base no conhecimento que lhe foi transmitido pelo médico.
O Testamento Vital permite às pessoas planearem a fase final da sua vida. “ Nós temos que pensar sobre a fase final da vida numa altura em que estejamos conscientes e saibamos o que queremos ou não”, alerta o Dr. José Clemente.
Neste documento, as pessoas deixam expresso o que querem, mas também o que não querem. “Uma testemunha de Jeová, por exemplo, tem aqui a opção de escrever que não quer que lhe administrem sangue ou derivados. Até aqui não havia nada em concreto que fizesse valer a sua vontade”, adianta o clínico da ULS Nordeste, acrescentando que este documento contempla questões como medidas paliativas, hidratação oral mínima ou subcutânea que o utente pode ou não querer, no caso de se justificarem na fase final da sua vida.
Mas afinal quando é que esta decisão é tida em conta?
Os médicos só recorrem ao Testamento Vital quando a situação do utente é irreversível e este não está capaz de decidir sobre aquilo que é a sua vontade em termos de tratamentos.
“Perante uma doença incurável, em fase terminal, quando não houver perspetivas de recuperação do seu estado, com alterações do estado neurológico irreversíveis. Aí será tida em conta a vontade expressa pelo utente no Testamento Vital ”, esclarece o Dr. José Clemente.
Quais as vantagens para o utente?
O preenchimento do Testamento Vital traz vantagens, não só para o utente, mas também para os seus familiares e cuidadores.
Em primeiro lugar, tem a garantia de que será respeitada a sua vontade na fase final da vida. Depois acaba por facilitar a vida aos seus familiares e equipa de cuidadores. “Nós sabemos que há muitos cuidadores e muitos familiares que se sentem angustiados perante as decisões a tomar numa situação de doença terminal. Se as pessoas antecipadamente tiverem manifestado a sua vontade, isso tira uma grande angústia a todos os familiares, amigos, cuidadores, que sabem que a pessoa decidiu enquanto estava consciente sobre aquilo que realmente queria da sua vida”, explica o Dr. José Clemente.
Esta decisão deixa de ser unilateral e passa a ser tomada em conjunto. “Antigamente o médico é que decidia, a decisão era unilateral. Agora a decisão passa a ser dos dois: do médico e do utente. É a ciência a respeitar a liberdade individual dos cidadãos”, acrescenta a Dr.ª Sílvia Costa.
Quem o pode fazer?
O Testamento Vital pode ser feito por cidadãos nacionais, estrangeiros e apátridas residentes em Portugal, maiores de idade, que não se encontrem inabilitados por anomalia psíquica.
Como se preenche este documento?
O cidadão pode aceder ao Portal do Utente, descarregar o formulário com o modelo de diretiva antecipada de vontade – disponível em https://servicos.min-saude.pt/utente/Repo/Feeds/files/Rentev_form_v0.4.1... - preencher e entregar no centro de saúde da sua área de residência.
No distrito de Bragança, todos os centros de saúde garantem apoio ao utente no preenchimento deste documento. “Todos os centros de saúde da ULS têm um funcionário capaz de fazer a primeira explicação. No entanto, é aconselhado que o utente recorra ao médico de família para esclarecer as questões clínicas”, salienta o coordenador técnico da ULS, José Manuel Cabanas.
O documento é confidencial?
O processo de registo da vontade antecipada do utente é feito com a máxima privacidade, garantindo total sigilo.
No distrito de Bragança, há apenas um funcionário em cada centro de saúde que recebe o documento em papel. O passo seguinte é fazer o registo no sistema informático RENTEV – Registo Nacional do Testamento Vital, que mantém atualizada a informação relativa aos testamentos vitais. Posteriormente, a vontade do utente é validada por responsáveis clínicos. “Nós fazemos a avaliação das incongruências, ou seja quando a pessoa diz num lado que quer uma coisa e depois na alínea seguinte o contrário. Só depois de validado é que os médicos têm acesso ao Testamento Vital”, explica o Dr. Clemente.
Depois de validado, o documento fica disponível no Portal do Utente, onde pode ser consultado pelo próprio utente. “É absolutamente confidencial”, assegura a jurista da ULS Nordeste, Maria de Jesus Lopes.