Ter, 20/09/2016 - 14:44
Os sistemas educativos das sociedades democráticas constituem uma das mais celebradas conquistas da humanidade. No entanto, são realidades frágeis, muitas vezes ainda sob a ameaça do obscurantismo envolvente. Continuam também sujeitas a manipulações metódicas, com o objectivo inconfessado de garantir a submissão das gerações, sempre mais cómoda para os poderes instalados do que os ventos cortantes da verdadeira liberdade.
Foram longos os séculos em que o conhecimento, ou o que pretendia parecê-lo, esteve sujeito a apertada vigilância, verdadeiramente sequestrado, sem resgate anunciado, garantindo a alguns grupos o exercício do poder esmagador sobre corpos e almas, reduzidos a instrumentos de consolidação de privilégios.
Algumas narrativas mitológicas identificaram mesmo o conhecimento, o saber, com o caminho mais fácil para a perdição eterna, contrapondo-lhe a resignação à ignorância, a inefável pobreza de espírito ou a demissão da procura inteligível da explicação do mundo e da vida.
Mas ao longo do tempo foram germinando, aqui e ali, sementes de uma utopia que concebia um outro mundo possível, onde a ignorância perderia terreno para a sabedoria, construída em partilha solidária, no caminho da autonomia e da dignidade de cada um dos viventes para o resto da história.
Este foi o desígnio que, a partir do século XVI, deu mostras de poder passar de sonho a realidade. No entanto, só recentemente, no último século, se generalizaram as redes escolares e, no caso português, só o regime nascido em 1974 abriu a porta da escola para todos.
Aparentemente poderíamos estar a celebrar essa obra maior do país. Na verdade, se apurarmos a observação, com a frieza que a inteligência exige, verificaremos que o resultado não merece a serena satisfação do dever cumprido. Depois de décadas perdidas, em que se preferiu iludir estatísticas, mantendo a população ignorante, embora formalmente escolarizada, percebe-se que, afinal, nunca se quis ir mais longe e todos estamos acomodados, enquanto o verdadeiro conhecimento perde terreno, com todas as consequências nefastas para a sociedade, a economia, mas também a cidadania.
Apesar das proclamações de alguma propaganda política, que faz a festa infrene da geração mais preparada de sempre, o que se verifica é que a ignorância alastra, a autonomia dos cidadãos é precária e a vida é cada vez mais vidinha, império da mesquinhez, do oportunismo, do salve-se quem puder.
O fracasso resultou de decisões nada ingénuas, que associaram, de forma deliberada, a massificação do ensino à desvalorização do papel dos professores, relegados à força para a função de amanuenses do sistema, em vez de referências do saber e da capacidade de reflexão e prospecção, o que poderia fazer de gerações inteiras perigosos cidadãos inquietos.
Assim, tudo poderá permanecer na suave resignação, na abulia tranquila dos pântanos, que engolem sem piedade quem se debate para encontrar suporte sólido, que lhe devolva o direito de decidir o seu próprio caminho.
Podemos estar a produzir simples variações sobre realidades de tempos recuados. Quando se promovem funcionalidades em vez de capacidades, quando se festeja só o fazer e se ridiculariza o saber, embora aparentemente se estejam a criar condições de sucesso material, o que realmente acontece é que se estão a adestrar escravos. Não faltava competência e eficácia às multidões de escravos que construiram as pirâmides do Egipto e as pontes romanas por toda a bacia do Mediterrâneo.
Talvez ainda tenhamos oportunidades de escolha, porque só cidadãos livres poderão deixar para o futuro um mundo novo.
Por Teófilo Vaz