Nasceu em Bragança por 1691, filho de Francisco de Castro Almeida e Violante da Mesquita. A história de seus ascendentes na inquisição era já longa e, face a uma nova onda de prisões na martirizada cidade, Francisco e Violante abalaram para o Alentejo com morada em Mértola, exercendo ele a função de estanqueiro do tabaco. Andava Henrique pelos 7 anos e ali aprenderia as primeiras letras.
Em 1706, receando ser preso, seu pai foi apresentar-se na inquisição de Évora e com ele o filho mais velho, João de Castro. Se pensavam livrar-se, não o conseguiram, pois os inquisidores decretaram-lhe a prisão. (1) Entretanto, para a mesma cidade tinha já seguido Henrique a continuar os estudos, formando-se em Artes, no ano de 1710. Coincidência: em 2 de Julho do mesmo ano, comparecia seu pai no auto de fé celebrado naquela cidade.
Licenciado em Artes por Évora, Henrique foi para Coimbra matricular-se em Medicina, curso concluído em 1717. A profissão de médico foi exercê-la em terras do sul, nomeadamente em Beja. Aí, em finais de 1720, a inquisição lançou uma tremenda ofensiva prendendo quantidade de médicos, advogados e grandes mercadores. Anos depois, viria a saber-se que o denunciante (sob nome falso) fora um médico cristão-novo, também originário de Bragança e morador em Beja. (2)
Naquele mar de prisões e com uma história familiar prenhe de “judaísmo”, certamente que o Dr. Castro Almeida receava ser preso. Dirigiu-se então para Lisboa, casou com sua prima Isabel Inácia e logo depois, no ano de 1721, se embarcaram para Inglaterra.
Em Londres, o jovem médico cedo estabeleceu relações com o Dr. David Neto, rabi da comunidade, que o voltou a casar, agora à maneira judaica, recebendo ele o nome de Jacob. Mudou também o sobrenome, de Almeida para Sarmento, acaso por ser de maior nobreza em Bragança.
Por essa altura, aconteceu em Londres uma verdadeira revolução no campo da medicina, com a introdução de um novo método de curar as bexigas “trazido” da Turquia e que levaria à descoberta da vacina contra a varíola.
Espírito aberto à inovação e ao experimentalismo, o Dr. Jacob, tinha-se já metido a estudar o assunto e publicou um trabalho sobre a matéria, ficando o seu nome ligado à descoberta da mesma vacina. E este foi o início de uma brilhante carreira que o levou a ser admitido no aristocrático Royal College of Physicians em 1728. E seria também o primeiro judeu a ser doutorado por uma universidade britânica, a de Aberdeen. Obviamente que, em paralelo, ele se afirmava no seio da comunidade judaica, sendo nomeado médico da “hebrah” em 1724.
O caso dos “falsários de Beja”, porém, continuava a evoluir e… sobre o Dr. Castro Sarmento caiu a suspeita de ser o grande denunciante, responsável por aquela vaga de prisões. De imediato ele foi demitido do cargo na “hebrah” e ameaçado de excomunhão pelas autoridades judaicas de Londres que, entretanto, abriram um inquérito no seio da comunidade. Concluiu-se que a acusação era falsa e a reabilitação do nosso biografado granjeou-lhe ainda mais prestígio, com o seu nome a aparecer depois entre os fundadores do hospital judeu de Beth Holim.
Nesta fase da sua vida, Jacob Sarmento escreveu duas obras de natureza religiosa e, falecendo David Neto, publicou um “Sermão fúnebre” em sua homenagem. Parecia um líder religioso. No entanto, a evolução seria ao contrário e, o interesse pela ciência e pelo positivismo faria esfriar a crença na religião judaica.
Efetivamente a sua admiração pelo grande mestre Isaac Newton e o interesse pelas suas descobertas científicas levaram-no à publicação de um estudo com o título de “Tratado da verdadeira teorica das Marés conforme a Philosophia do incomparável cavaleiro Isaac Newton”. E a tradução e publicação em Portugal da obra de Francis Bacon foi um sonho por ele muito acariciado.
Por tudo isso, ele foi admitido na Royal Society, sendo um dos primeiros judeus a alcançar tão honrosa distinção. Isso implicava o convívio com a gente da cultura e da aristocracia de Inglaterra. Em simultâneo, estreitava as suas relações com gente do governo de Portugal, da universidade de Coimbra e da Real Academia Portuguesa. Como curiosidade, diga-se que o primeiro microscópio que chegou a Portugal terá sido oferecido pelo Dr. Castro Sarmento à universidade de Coimbra. Tal como o primeiro termómetro seria oferta dele ao Dr. Sachetti Barbosa.
Cientista e médico, o Dr. Sarmento terá encetado o primeiro estudo sistemático sobre a composição química de remédios e da maneira com atuam no organismo. Esta obra foi publicada em 1735 com um título à maneira de resumo, como era de norma naquela época:
- Matéria Médica, físico-histórico-mecânica, reino mineral. Parte I. A que se ajuntam os principais remédios do presente estudo da matéria médica, como Sangria, Sanguessugas, Ventosas, Sarjadas, Eméticos, Purgantes, Vesicatórios, Diuréticos, Sudoríficos, Ptyalismicos, Opiados, Quina-Quina, e, em especial as minhas Águas de Inglaterra, como também uma dissertação Latina sobre Inoculação das Bexigas.
Como se diz no título esta era a primeira parte da obra projetada. A segunda parte seria dedicada aos remédios de origem vegetal e animal. E nela se fala também das propriedades medicinais das águas termais e particularmente das águas das Caldas da Rainha. Aliás, em 1753, publicou mesmo um “Appendix ao que se acha escrito na Matéria Médica do doutor Jacob de Castro Sarmento, sobre a natureza, conteúdo e efeitos, e uso das águas das Caldas da Rainha”.
Sobre as “Águas de Inglaterra” diremos que era então o remédio mais eficaz contra o paludismo e as febres, preparado à base da quina, segundo fórmulas mais ou menos secretas. Ficaram famosas as Águas de Inglaterra preparadas pelo Dr. Fernando Mendes que as deu a conhecer em Portugal. Mas foi o Dr. Sarmento o grande “industrial” desse remédio que vendia na Inglaterra e que em Portugal montou uma verdadeira rede de distribuição, com representações em Porto, Lisboa, Coimbra, Évora e Faro. No processo de investigação e composição do seu medicamento, foi muito importante a ligação de Castro Sarmento com os jesuítas que no Brasil foram pioneiros no uso da casca da árvore da quina. E esta ligação do médico judeu aos padres jesuítas é mais uma prova da sua abertura de espírito.
Ainda no que respeita à questão religiosa, recordemos que, em Portugal Henrique de Castro de Almeida viveu como cristão. Em fuga por causa da Inquisição, chegou a Londres e assumiu a condição de judeu. Médico famoso e homem de ciência, viu a sua mulher falecer, em Janeiro de 1746, fazendo-a sepultar no cemitério judaico de Mile End. Antes mesmo tivera relações com uma mulher inglesa, Mrs. Elisabeth, e dela teve um filho. (3) Ficando viúvo, casou com ela e assumiu a religião anglicana, depois de escrever uma carta às autoridades judaicas da sinagoga Bevis Marks, declarando o seu afastamento. Em boa verdade há muito que ele se teria afastado do judaísmo. Porventura o seu casamento na igreja de Saint Margareth Moses, seguindo o rito anglicano foi também para contemporizar com o mundo. Acaso o Dr. Jacob de Castro Sarmento estaria seguindo por um caminho alheio a qualquer credo religioso e seria um dos primeiros pensadores sefarditas a lançar a questão do diálogo entre a ciência e a religião, caminho que levaria uns ao ateísmo e outros ao panteísmo.
NOTAS E BIBLIOGRAFIA:
1-ANTT, inq. Évora, pº 3019, de Francisco de Castro Almeida; pº 6692, de João de Castro Almeida.
2-IDEM, inq. Lisboa, pº 11300, de Francisco de Sá da Mesquita.
3-Henry de Castro se chamou o filho do Dr. Sarmento. Seguiu a carreira militar e notabilizou-se como general da armada de Inglaterra.
ESAGUY, Augusto Isaac - Jacob ou Henrique de Castro Sarmento, in: Congresso do Mundo Português. Lisboa, 1940. Vol. 13, pp. 177–210. IDEM - História da Medicina. Jacob de Castro Sarmento. Notas relativas à sua vida e à sua obra. Lisboa: Ed. Ática, 1946.
ANDRADE e GUIMARÃES - Jacob de Castro Sarmento, ed. Nova Vega, Lisboa, 2010.
Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães