Ciência cidadã (e a participação cívica)

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Desde o final do século XIX que milhares de cidadãos, de forma consciente e voluntária, analisam grandes quantidades de dados, partilham e discutem o seu conhecimento apresentando publicamente os resultados. Esta participação cívica começou nos Estados Unidos com a contagem coletiva de pássaros, atividade que ainda se mantém sob a coordenação da Audubon Naturalist Society. O avanço das tecnologias de informação permitiram que a Ciência Cidadã se ampliasse e alargasse a outros domínios.

Foi com base neste conceito que um grupo de portugueses lançou uma iniciativa de monitorização dos níveis de radioatividade na zona de Castelo Branco, preocupados com os efeitos nesse território da atividade da Central Nuclear de Almaraz. Esta central de produção de energia elétrica é a mais antiga de Espanha e já deveria ter sido encerrada em 2010, tendo sido prolongada a sua licença de funcionamento até 2020. Os seus acionistas pretendem a extensão adicional deste período para lá daquela data. Nas margens do rio Tejo dista menos de 200km da cidade de Castelo Branco sendo óbvias e evidentes as consequências para Portugal e para os portugueses de qualquer acidente grave que ali possa, eventualmente, ocorrer. A perceção de qualquer desvio aos padrões normais assume uma importância vital.

Sayago onde há perto de 35 anos se pretendia instalar uma central nuclear fica a menos de 30km de Miranda do Douro. Aldeia d’Ávila fica ainda mais perto da fronteira e esteve quase a receber um cemitério nuclear que a oposição popular ibérica conjunta acabou por suspender. Não se suspenderam as castelhanas intenções radioativas e recentemente nuestros hermanos anunciaram a intenção de iniciar em Retortillo/Villavieja, mesmo nas nossas barbas, uma exploração de urânio. Toda a bacia do rio Douro volta, de novo, a ficar ameaçada.

É necessário ficar alerta perante tantas e tão ameaçadoras investidas do lado de lá da fronteira. A democratização da ciência cidadã, com o uso adequado da internet e demais ferramentas de comunicação e partilha de dados, associado ao crescente baixo custo dos instrumentos de medição e monitorização escancara as portas ao controle público de dados e indicadores que até há bem pouco tempo estavam restringidos aos departamentos governamentais.

A monitorização da radiação na zona raiana de Castelo Branco irá ter um custo da ordem dos 2.500 euros. Nada que não possa ser dispendido pelos municípios nordestinos que em conjunto pretendam permitir a participação cívica que, nestes casos e com estas ferramentas acaba por ser mais eficaz, mais célere e mais confiável que os processos diplomáticos intergovernamentais.

José Mário Leite