É certo que a crise que atravessa a Europa não está só reservada ao nosso continente envelhecido e cansado da sua história. No cais da quase totalidade das democracias do planeta, vai soprando um vento mau e a incapacidade dos governos para resolver o problema lancinante do desemprego faz certamente parte da explicação.
O projecto de reformas do código do trabalho, as trinta e cinco horas da função pública, suscitam muitas reacções compreensíveis. Acredito também que o tempo de trabalho seja um verdadeiro indicador num momento em que todos estamos convictos de que a direita e a esquerda têm as mesmas ideias. A esquerda perdeu o seu otimismo conquistador e aparece regularmente como uma força defensiva, resignada a travar as reformas que ela sabe que são irreversíveis. A esquerda e a direita liberais partilham um grande número de temas e para muitos cidadãos não se vê que seja oportuno dizer que é preciso reduzir o tempo de trabalho. Outros afirmam que a questão não é aumentar o tempo de trabalho, mas sim reduzi-lo. É talvez paradoxal, mas deve poder ser reduzido.
Ultimamente, tem-se refletido muito sobre a questão dum vencimento universal, de forma incondicional, para todo o cidadão. Acredito que possa ser um debate interessante e que possa ser combatida a pobreza desta forma. Porém, penso também que é necessário ser pragmático; a igualdade não é de forma alguma a equidade, vejo mal como pode ser dado o mesmo salário à maior fortuna de Portugal e ao arrumador de automóveis. Já não se trataria de igualdade mas sim de igualitarismo. Será preciso verdadeiramente dar aos que precisam e não aos que não precisam. Por conseguinte, será conveniente encontrar outras fórmulas que não o aumento das horas de trabalho.
Todos os utopistas – penso que todos dão indicações e direcções – como Thomas Moore já no século XVI, são pessoas que pensam que é necessário trabalhar para produzir e produzir para viver e sobreviver. Ora vejo mal como, num futuro próximo, com a evolução tecnológica que impera na área, seja possível continuar a trabalhar, trabalhando cada vez mais, de forma a que as taxas possam ser devolvidas em forma de abonos ou subsídios às pessoas sem emprego. Será preciso dividir o trabalho e, seguidamente, poder prever trabalhar mais ou menos um dia, uma semana, ou outras possibilidades após entendimento entre empregados e entidades patronais.
Não há qualquer utopia, parece-me uma regra económica simples. Nunca se pensa na questão das famosas subvenções, pensa-se que os subsídios vêm do céu, mesmo quando se diz que chegam da Europa. Contudo a Europa não é de forma alguma uma espécie de Império ou Eliseu onde se vai buscar ouro para distribuir. A Europa tem o dinheiro que lhe é dado. Por isso, dever-se-ia pensar justamente na partilha do trabalho. Não é possível que as pessoas sejam assistidas, pela humilhação que lhes é imposta. O facto de ser assistido, na minha opinião, é uma humilhação, as pessoas não são desempregadas porque querem ou porque se instalam eternamente por ser auxiliadas. São velhas teorias conservadoras para não dizer absurdas, as pessoas não pensam assim quando não têm trabalho, sentem-se diminuídas, ostracizadas e humilhadas.
Pouco se fala do papel das paixões na história, e a humilhação tem um papel superior nesse campo. Se O Trumpolineiro nos Estados Unidos ou os Le Pen em França se encontram dessa forma apoiados pelo seu eleitorado é porque há uma falta de dignidade e essa dignidade e honra seriam recobradas se se dividisse verdadeiramente o tempo de trabalho.
O refúgio nacionalista e chauvinista não é certamente uma solução. Mas a Europa não pode continuar a derivar da forma como o vem fazendo há muito tempo. Talvez por falta, à frente, de personalidades possuindo um mínimo de sentido da história.
Por Adriano Valadar