O Abade e o Museu

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Francisco Manuel Alves – o Abade de Baçal, mas também o Robespierre, o Robs, o Grande, o Frade no dizer de amigos e condiscípulos – nasceu no então Bairro Novo de Baçal, na rua do «Paceo ou Pacio», conforme ele diz, às 7 da manhã de 9 de Abril de 1865. Seus pais eram lavradores abastados e ele desde criança colabora nas lides domésticas e trabalhos agrícolas, e, depois de encomendado já em Mairos, Chaves, na década de 90, iniciou um processo de ampliação da Casa e que manterá toda a sua vida. Até parece que o Abade, antes de ser padre, foi sempre lavrador em primeiro lugar. E é esta ligação ao património da casa rústica paterna e aos trabalhos agrícolas – com o domínio e o exercício quotidiano de todo o saber campesino – que lhe dá uma dimensão física da territorialidade da região concebida pelo viver, trabalhar e sentir diariamente da terra física de onde faz brotar cereais, batatas, hortaliças e vinho. É um saber e um sentir horaciano da terra, ou franciscano no dizer Belarmino Afonso e outros, que o faz ser feliz na cortinha.

O Abade foi padre, como podia não o ter sido. Sabemos que sempre desempenhou com correção os seus deveres profissionais, mas nunca o vimos a defender com esmero o seu ofício, antes criticando certas atitudes e desempenhos eclesiásticos que ele considerava de menos adequados ou excessivamente ortodoxos. Esta postura nunca lhe valeu grandes elogios ou prebendas e a diocese transmontana foi a última instituição a galardoá-lo e a reconhecer o seu profundo labor científico.

Mas é ainda em Mairos – onde esteve entre 1890 e 1896 – que o sacerdote se manifesta investigador. De facto, é aqui que ele se inicia como articulista e se evidencia para os estudos históricos motivado pelas obras que encontrou na biblioteca de Chaves onde se deslocava periodicamente para se abastecer de livros e matar o ócio do ofício. Ao longo de toda a vida manteve sempre presença regular na imprensa da época, proferiu imensas conferências, mas toda a gente sabe que a obra de fôlego em que totalmente se empenhou foram as Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, em onze volumes, iniciando a impressão do primeiro volume em 1909 e terminando a do último já em 1949, depois de ter falecido em 47. É nestes volumes que está compulsada a história do distrito em todas as suas vertentes. Podemos dizer, em termos genéricos, que nos primeiros oito volumes desta obra está retratada a história institucional do distrito – política e sociedade, economia, genealogia e religião – e onde a informação temática está mais disciplinada, e nos três restantes se dedica de preferência à arqueologia, à arte e à etnologia da nossa zona, e onde os assuntos estão mais desorganizados, muitas vezes em complemento de assuntos já anteriormente tratados mas que mereciam adendas, novas achegas ou releituras. Não há obra igual na lusitana pátria!

Também o Museu, de que é patrono, é aniversariante de mérito, pois foi criado em 1915. Governou-o ele entre 25 e 35, depois de uma década de administração muito politizada e conflituosa de Álvaro Carneiro que nem conseguira abrir à coletividade a nova instituição. Deu-lhe vida pública o Abade em 8 de Abril de 1928, nas vésperas do seu aniversário, depois de 3 anos de trabalhos exaustivos e extenuantes divididos com os amigos Raul Teixeira e José Montanha. Até teve direito a concerto musical realizado pela Banda Regimental do R I nº 10, dirigida por G. da Piedade e autor de algumas árias, que rivalizou em luzimento e entusiasmo com o ágape decorrido no prestigiado Hotel Virgínia.

Por João  Manuel Neto Jacob