O velho sendinês e o cavalo do espanhol

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Fracisco Niebro, no seu livro Belheç relata-nos as reflexões de um velho mirandês, há mais de cinquenta

anos, sentado no poial da sua porta de casa, em Sendim. Falava assim o sendinês: “Andan uns tius de baixo

pulas arribas a fazer marcaciones para ua presa na Bemposta. Ban a roubar un cacho de las arribas cumo

fazírun als de Bilachana e als de por ende arriba. Ls filos de la eiletracidade pássan po riba, mas parqui nada

bem. A roubar nien un rico s’aguanta, a quantas mais un probe”. Igual desabafo poderia ter um velho pastor

que na Póvoa, nos dias de hoje, se sentasse numa das muitas fragas sobranceiras ao Sabor, a olhar para o

complexo hidroelétrico da Quinta das Laranjeiras. A eletricidade que vai para Lisboa tem um custo e há que

incluir nesse custo a paisagem perdida e a impossibilidade de fruição de momentos que apenas poderão ser

revividos nos recônditos da memória. E contudo era necessário fazer a barragem. E contudo foi bom tê-la

feito, mesmo que se perspetive que não houve ainda a capacidade por quem tem o direito e dever, de por

tão elevado património fazer pagar, a quem dele beneficia, o justo preço.

Conta-se que um espanhol resolvendo economizar nos custos começou a diminuir a ração que dava ao seu

cavalo. O animal começou a estranhar, a queixar-se e a emagrecer, mas o dono achou isso natural e levou-o

à conta da necessária habituação ao novo regime. E continuou a reduzir-lhe a porção de comida que lhe

dava. Inevitavelmente o equídeo acabou por morrer. “Justo ahora que se había acostumbrado a no comer, va

y se muere”. Obviamente que a história é exagerada, como muitas das histórias que pretendem ter uma lição

moral, final. Mas pode ser reescrita de forma a aumentar a sua credibilidade e ter, por consequência, uma

superior adesão à realidade.

Nesta nova versão o espanhol tem vários cavalos. E, nos tempos de crise que atravessamos, a necessidade de

redução de custos é uma triste mas inevitável realidade obrigando a um corte nas despesas com a

alimentação da manada. A escolha do ganadeiro pode ser lógica e reduzir por igual a alimentação de todos

os animais ou fazer refletir o esforço todo apenas numa das cavalgaduras como fez o desastrado

protagonista da história, tantas e tantas vezes repetida, para ilustrar esforços que podendo ser justificados

em dose razoável, deixavam de o ser quando são levados ao extremo.

A construção da barragem das Laranjeiras constitui já uma grande participação dos moncorvenses no

necessário esforço para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e tornar a produção de energia, mais

ecológica e sustentável. Para além do dever de garantir que o benefício que o litoral tem desta contribuição

tem tradução numa justa recompensa, cabe às autoridades locais assegurar que este esforço é proporcional,

razoável e distribuído.

Se uns contribuem já com o recurso hídrico não será razoável que o eólico seja suportado por outros para

que o respetivo custo seja repartido de forma justa e adequada?

 

Por José Mário Leite