O veterinário que escolheu Vinhais

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Ter, 12/04/2005 - 17:27


É médico veterinário pela Universidade Técnica de Lisboa e nasceu em Bragança a 14 de Abril de 1965. Duarte Lopes é um dos impulsionadores do aproveitamento da fileira do fumeiro como factor de riqueza para o concelho de Vinhais, onde desempenha as funções de veterinário municipal e chefe de Divisão de Desenvolvimento Rural.

Naquele município coordenou o processo de reconhecimento da raça de Cão de Gado Transmontano e exerce o cargo de vice-presidente da respectiva associação de criadores.

Jornal NORDESTE (JN) – É natural de Bragança mas tem uma grande ligação ao concelho de Vinhais. Sente-se dividido?
Duarte Lopes (DL) – É verdade. Tenho muito orgulho em ser natural de Bragança, mas tenho uma grande ligação afectiva ao concelho de Vinhais. A minha memória de infância está toda lá. A minha mãe foi professora primária em Soeira e Paçó, aldeias que conheci bem cedo, porque na altura as professoras residiam nas freguesias onde davam aulas. É uma realidade rural que está muito impregnada naquilo que eu sou.
No caso de Paçó, tenho bem presentes os Invernos rigorosos da época, o desconforto das casas antigas, mas também os afectos daquelas gentes e as tradições, que eram mais marcantes porque havia mais gente na aldeia do que há hoje. Na primária um professor ensinava as quatro classes, numa altura em que a escola tinha 40 alunos. Era um desafio muito grande para quem ensinava.

JN – Depois rumou a Lisboa. Não se deixou seduzir pela capital?
DL – Depois desta vivência na aldeia, por força de circunstâncias profissionais dos meus pais, migramos em direcção a Lisboa. Na escola éramos distinguidos pela nossa pronúncia e pela nossa maneira de falar. Sempre me assumi como um transmontano e, apesar de ter vivido na área de Lisboa até terminar a licenciatura, pensei sempre em regressar e acrescentar algo aqui à região.
Atendendo à especificidade da minha profissão, sempre quis actuar na área do Desenvolvimento Rural e, com esta identificação com Trás-os-Montes, as memórias e o apelo da terra, decidi regressar. Há 16 anos ainda se podia optar, felizmente, e acabei por vir trabalhar para Vinhais.

JN – Vinhais tem apostado na revitalização das raças autóctones, como é o caso do porco Bísaro. É esse o caminho a seguir no combate à desertificação?
DL – Acho que sim. No contexto da Globalização temos que apostar no que é nosso, no que é autêntico. É por isso que me orgulho de ter contribuído para desenvolver esse processo em Vinhais, numa altura em que se percebeu que o caminho para a valorização do fumeiro passava pela qualidade da matéria-prima. Em 1994, desafiados pela Direcção Regional de Agricultura, instalamos em Vinhais a Associação Nacional de Criadores de Suínos de Raça Bisara, que tem um quadro de pessoal significativo e tem desenvolvido um trabalho meritório.

JN – O matadouro de Vinhais também é um caso de sucesso. A que se deve essa situação?
DL – O matadouro foi outro dos grandes desafios, mas não pode desligar-se de todo o processo de valorização da raça bisara. Após a criação de cerca de 70 pocilgas familiares, era necessária uma unidade de abate para os suínos de raça bisara, até porque já existiam algumas fábricas de produção de fumeiro. Era preciso um ponto de ligação entre a criação de bísaros e a transformação da carne. Esse meio ponto era um matadouro que garantisse a qualidade de abate e a segurança alimentar. A ideia surgiu e tenho que referir aqui o empenho do presidente da Câmara de Vinhais, José Carlos Taveira, que foi determinante no plano político. Conseguimos o que era considerado impensável, que era construir um novo matadouro na região. Todas as informações que chegavam é que o peso do matadouro do Cachão era asfixiante, pois tinha uma capacidade que dava para todo o gado da região. Nós não pensamos assim, rompemos com o conceito de grande matadouro industrial e construímos o primeiro matadouro de montanha que, com uma única linha de abate, permite abater suínos, bovinos e ovinos. Isso não existia em Portugal e, após a apresentação do projecto, recebemos um ofício da Direcção Geral de Veterinária a pedir a rectificação de 43 pontos do projecto. Quase desanimamos, mas não desistimos, porque o projecto estava justificado.

JN – A carne Mirandesa é conhecida em todo o País. O que é preciso fazer para que se torne, efectivamente, num factor de riqueza para toda esta região?
DL – Aí só posso falar como técnico do sector. Quem tem vindo a desenvolver um trabalho importante nessa área é a Associação de Criadores de Bovinos de Raça Mirandesa, que está sedeada em Malhadas. Vinhais é o segundo concelho do solar da raça em número de animais. Há pouco falava em Paçó, que é a aldeia do concelho com maior efectivo.
Sei que os agricultores que estão a comercializar os animais no âmbito do Agrupamento de Produtores estão satisfeitos com os resultados. O preço da carne é mais elevado e o produtor acaba por ver o seu trabalho mais recompensado.
O maior problema desta e doutras raças autóctones é a comercialização. É difícil estabelecer contratos com grandes superfícies porque não produzimos em quantidade suficiente para este tipo de mercado e temos que procurar outros nichos de negócio. Com o fumeiro passa-se exactamente o mesmo.

JN – O que pensa da tradicional matança do porco?
DL – Enquanto festa de Inverno não me repugna nada. Aquilo com que não posso concordar é que essa festa seja repetida para abater suínos para produção de fumeiro. Temos vindo a aconselhar os produtores a utilizarem o matadouro. Foi complicado consegui-lo, mas hoje o concelho dispõe duma unidade que permite a todos os agricultores abater um porco ou um leitão com todas as condições em termos de segurança alimentar.

Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda