Sex, 18/03/2005 - 12:35
Ninguém me encomendou nem sequer sugeriu a abordagem que aqui me proponho fazer ao assunto do tema em epígrafe, publicado neste periódico em 22 de Fevereiro último. No entanto, porque também envolvido e comprometido, à minha feição, com a língua mirandesa e o seu marcante dialecto sendinês, senti-me na obrigação de intervir no caso, apenas com o intuito de algo tentar contribuir para se acabar, de vez, com as tentativas da parte de um exíguo mas ferrenho grupo, no sentido de abafar este seu precioso dialecto sendinês, artificiosamente “amirandesando”, a esmo, termos e expressões idiomáticas ou misturando os seus vernáculos dialectais à bem demarcada (e oficializada) língua mirandesa. Tentativas mais ou menos encobertas, artificiosas, mas, infelizmente, bem notórias, porque também desagregadoras e, consequentemente, de efeitos assaz deletérios para os dois idiomas.
Desditosamente, esta é uma história já demasiadamente longa e triste, embora apenas iniciada num infausto dia de Fevereiro de 2000, em que, duma assentada, foi dada uma cortante e dolorosa machadada na Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa, à margem do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, que a homologara em conjunto com a Câmara Municipal, depois de a ter elaborado, durante cinco anos, através de uma comissão composta por onze linguistas e mirandeses seleccionados. Sobre tão desditosa mexida no que de mais característico existirá na Convenção (e na própria língua) – mexida que, impropriamente, os seus fautores denominaram “Adenda” (?), embora se tratasse de alterações – apenas aqui se dirá que, assim, a ortografia engendrada por eles se desviou da oralidade do Mirandês, sem que tivesse passado a corresponder à do Sendinês, embora deste mais se tivesse aproximado. Ainda mais que isso, de tal improvisação resultou que, em muitos casos, a escrita do Mirandês passou a ser tal qual a do Espanhol (Castelhano), embora as pronúncias sejam diferentes.
“António Rodrigues Mourinho põe o dedo na ferida”
Com esta destacada advertência, assaz apelativa, logo no início do título a que me reporto e tomo a liberdade de aqui reproduzir, o meu amigo Dr. Mourinho, decididamente, se afirma pela distinção entre estes dois falares irmãos, embora um já com estatuto de língua legalmente reconhecida e o outro como curioso dialecto, dotado de apreciadas características.
Acerca desta distinção, que poderei eu aduzir, muito sumariamente, ao que o ilustre entrevistado declarou para a citada publicação de 22 de Fevereiro?
Bem, como cada Homem é “especial”..., permita-me o meu caro amigo que, despretensiosamente, usando da minha tal “especialidade” individual, acrescente ou reforce, apenas, o seguinte:
1.º - De facto, o eminente filólogo José Leite de Vasconcelos, sobretudo no volume II (pág. 34-42) dos “Estudos de Filologia Mirandesa”, apresentou elementos que, só por si, conferem ao Sendinês “independência dialectológica”.
2.º - O nosso P. António Maria Mourinho, Mirandês eminente e saudoso tio deste meu caro amigo Dr. António Rodrigues Mourinho, ambos naturais de Sendim, não deixou também expressivos testemunhos de como prezava e distinguia o seu falar sendinês? Por bem simples exemplo, veja-se a pág. 34 da sua preciosa obra poética (tão pouco lembrada) que, já em l961, intitulou Nuôssa Alma i Nuôssa Tiêrra” .
3.º - Não deparou, também, com acentuada distinção entre os mesmos dois falares a comissão dos onze que elaboraram a Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa e, por isso, nela não incluíram o Sendinês, mas o relegaram para a possibilidade de um posterior normativo ?
4.º - No ano de 1999, o escritor Emílio Pires Martins não publicou, em Sendinês castiço, o seu primeiro livro intitulado “La Proua de Ser Sendinés”, patrocinado por quatro instituições ?
5.º- Em Fevereiro de 2000, aquando da tal “machadada” na Convenção Ortográfica, entre os dez efectivamente então aderentes, não se apresentaram cinco (portanto, metade) como declarados representantes do Sendinês? Certamente porque, então, ainda reconheciam que este falar era diferente...,etc.
6.º - Por fim, compreenda-se que também tenho de referir o resultado da minha própria investigação concludente sobre este assunto, objectiva e factual sob os pontos de vista fonético, morfológico, sintáctico e lexical, obra que, embora firme, ainda considero um mero ensaio, mas que, por motivos ponderosos, me apressei a publicar em Maio de 2003, sob o título “Mirandês e Sendinês – Dois Falares”.
E, então, a “ Gábia” ?...
É um facto a summa eruditio com que o ilustre sendinês Amadeu Ferreira se agarrou à palavra gábia, que o seu conterrâneo Mourinho empregara na atrás citada entrevista, publicada em 22 de Fevereiro. Tal supra-summum saiu depois, na edição de l de Março. Só que a questão, a verdadeira questão, bem expressa na entrevista, era outra: “É preciso respeitar o Sendinês”. Nada mais. O eventual lapso da “gábia” não passou de um pormenor mais que insignificante. Agarrar-se unicamente a ele, explorá-lo e espremê-lo ao máximo, omitindo totalmente a verdade objectiva exposta na entrevista, em vez de se congratular com ela, mas tentando diminuir a figura do conterrâneo autor, isso sim parece mais que um mero lapso, mas que me abstenho de classificar com o verdadeiro nome, que lhe seria desagradável.
Não acha, amigo Amadeu Ferreira, que há uma grande diferença entre errar inadvertidamente (a quem não acontece?) ou errar intencionalmente e persistir obstinadamente no erro ?
José Francisco Fernandes