Ter, 04/10/2016 - 09:25
Enquanto o outono quase se abafa com um verão pândego, que não parece querer deixar a festa por mãos alheias, o idílio político entre as esquerdas portuguesas vai durando, remansoso, com meia dúzia de embirrações, aparentemente por questões de somenos, só para dar alguma cor a um fresco que não tem chegado a ser vibrante.
Aconchegados pelas brisas suaves do Atlântico, num ledo dormitar, como caberia aos justos, os mentores da nova vanguarda política em Portugal, estariam confiantes que a réplica espanhola da solução aqui ensaiada, à Pedro Sánchez, traria renovada força à Ibéria, então, sim, de um rosa carregado, a marcar novos ritmos da história.
Afinal, o último sábado parece ter interrompido a saga do cavaleiro implacável, deixando um partido, que foi fundamental para a consolidação do regime democrático espanhol, na iminência de se escaqueirar, com todos os efeitos danosos para as próximas décadas, na península e na própria Europa.
A política, especialmente nos tempos modernos, tem-se caracterizado por revelar aspectos estranhos da condição humana, quando nas proximidades do poder ou no seu exercício.
A humildade não abunda e alguns protagonistas não têm deixado pegadas muito abonatórias relativamente ao aperfeiçoamento da função política, como se esperava ao fim de 25 séculos de organização do espaço da cidadania.
Nalguns casos, tragicamente, querendo disputar a grandeza da sombra dos grandes da história, fizeram do sangue e da miséria os seus troféus, descendo até aos fundos infernais para se diluírem no caldo onde recocam os malditos.
Mesmo alguns que olhamos como sensatos e se proclamam ao serviço dos seus concidadãos, parecem não resistir a insuspeitados encantos de cavalgar o poder, em arriscados galopes sem destino partilhado pelos interessados.
Poderá ter sido o caso de Sánchez, sempre crispado e irradiando azedume, até ao ponto de ter catalogado a Galiza, que não votou segundo as suas expectativas, na condição de “una mierda”, expressão notável, que até tiranetes como o venezuelano Maduro ou o buchinha da Coreia do Norte hesitariam antes de usar.
Esta arrogância de proclamado democrata, tem pouco a ver com a coragem de César, quando atravessou o Rubicão para mudar a Roma republicana. Pelo contrário, é o espasmo contorcido das almas cobardes.
O vento leste, que vem de Espanha, é áspero. Seca no verão e enregela nas estações frias. Nesta casa comum, se não entra pela porta, assoma à janela e encontra frinchas para se instalar nos nossos dias.
Enquanto caía Pedro Sánchez, com estrondo, em Miranda do Douro jovens socialistas reflectiam sobre as possibilidades de governar à esquerda por cá, celebrando a “geringonça”, que já se tornou designativo carinhoso. Suavemente foram dizendo que sempre é melhor assim do que viver as agruras e humilhações que o governo anterior terá infligido ao país.
O assim é, afinal, uma relação que durará enquanto durar, como acontece com os amores pós modernos, sem horizonte mais largo do que o de cada dia, vivido o melhor possível. Se acabar, acabará sem dramas, como convém a gente civilizada. Depois, se verá.
Nessa conversa simpática não esteve ninguém do PCP, pouco dado a romantismos sem amanhã, ao contrário do BE, que participou, numa expressão de cândida comunhão.
Sobre os ventos de leste, não se queixaram de arrepios e garantiram ter as portas calafetadas. Os ventos que tirem daí o sentido.
Por Teófilo Vaz