Qua, 17/08/2016 - 11:16
As noites ainda vão cálidas, neste verão, que não deixou créditos por mãos alheias no que respeita a calor e a fogo, tornando o país num braseiro, com direito a observação a partir do espaço, onde se multiplicam janelas sobre nós próprios e sobre o que vamos fazendo com o mundo.
Estamos a adaptar-nos a novas formas de lidar com a realidade, mas ainda não somos, por enquanto, meros produtos de conexões cibernéticas, embora no quotidiano das nossas comunidades se viva cada vez mais de forma macambúzia, mãos ágeis a dedilhar e olhos concentrados em visores, enquanto a vida autêntica, das emoções, dos fascínios e dos espantos corre ao lado, como a água do rio, para não mais voltar.
Apesar deste enredamento, nas festas, que têm estado por todo o lado, a natureza ainda vai fazendo aflorar o seu esplendor. Vénus não se tem negado a pairar, como sempre, sobre a noite e a madrugada, inspirando cupidos, agitando pãs e bacantes, no que é o irrecusável desígnio da nossa passagem pelo planeta azul, ainda vibrante, apesar de todos os maus tratos que lhe vamos dando.
As festas, também expressão de ritmos primordiais, de que não tomamos sempre consciência, estão por todo o lado, numa concentração no calendário que não é normal. Por isso parece, por vezes, que as gentes já estão delas cansadas.
De facto, música, foguetório e comezaina não faltam pelos dias e noites, criando um ambiente propício à explosão sensorial, que a própria natureza festeja, o que nos mergulha em sonhos de noites de verão, que são autênticos regressos a um éden que nunca vivemos, mas de que temos saudades.
Quando nos deixamos envolver nesta euforia, abdicando do pragmatismo que nos recoloca perante a verdade nua e crua, somos levados a fantasiar sobre possíveis tempos de prosperidade nesta nossa terra, com escolas reabertas, campos sem uma nesga ao abandono, cidades e vilas a respirar a ritmo vigoroso, rasgando o cinzento do horizonte para que azuis radiosos encham os espaços dos tons da felicidade.
Também ao andar pelas estradas parece que vivemos noutro mundo, embora as matrículas dos automóveis nos baralhem a doce reflexão. Mas, tendemos a deixar-nos levar pelo empolgamento: afinal, não somos assim tão poucos, nem tão decrépitos e, em situação ideal, éramos capazes de voltar a encher o nordeste de vida e de futuro.
Pelo menos, a julgar pela vivacidade de mulheres e homens, jovens e adultos, que polvilham as ruas de cor e de pronúncias arrevezadas do secular português.
Depois de cada uma destas noites de festa, porque sim, rebolamo-nos em madrugadas ainda mornas e, no dia seguinte, com o sol poente, a lua fresca e insinuante, retomamos a festa, até que os primeiros frios comecem a dar sinais, quando as deusas das neves abrirem as portas de Setembro.
Despertaremos então dos sonhos destas noites de verão, para uma realidade que nos arrepia o corpo e a alma e nos remete para a ameaça de inverno perpétuo.
Mas, na verdade, dos sonhos não teremos que acordar sempre para o pesadelo da vidinha, até que Deus queira. Porque o nosso futuro também depende da nossa vontade e determinação.