Ter, 20/03/2018 - 10:16
Quando já não parece possível que o descaramento triunfe numa sociedade que se pretende informada, atenta, vigilante e mesmo vigorosa na erradicação das ameaças à justiça, à equidade e à dignidade que o sistema democrático exige, há notícias que nos atingem como raios de uma trovoada final, arrasadora de todas as esperanças no futuro do país e da humanidade.
Estranhamos Trump e outros títeres, espantamo-nos com Maduro mas, afinal, basta abrirmos a porta de casa para percebermos que, também aqui, na seara da nossa política o bom grão está a ser asfixiado pela cizânia, o joio que inspirou antiga parábola, que não logrou aproveitamento da lição para que florescesse o lado melhor da condição humana.
A tendência para a mesquinhez, o videirismo e a vigarice despudorada parece campear neste país onde, no entanto, se proclamam, sem cessar, as virtudes da cidadania, da solidariedade e da honra.
Não se encontra explicação para esta contradição manifesta senão que a sociedade está infestada de indivíduos que se vão aproveitando da boa fé dos outros para lograr vantagens e estatutos que não merecem. Por vezes beneficiam mesmo de alguma tolerância com a ousadia, que fascina a venalidade estrutural dos cobardes.
Uma das expressões mais habituais do oportunismo destes tempos democráticos é o aldrabar das habilitações literárias, o que constitui um novo paradoxo numa sociedade que tem vindo, aparentemente, a desvalorizar o percurso académico e a fazer chacota com os títulos que as universidades conferiram ao longo de séculos.
Na verdade, quanto mais afoitos a diminuir os doutores, mais propensos a ostentar diplomas, anéis de curso e outros aviamentos de superfície, talvez porque, afinal, o povão até gostaria de ter respeito por quem estuda, investiga e sabe alguma coisa para além do senso comum, apesar de os negócios e o enriquecimento não passarem propriamente por gastar os fundilhos nos bancos das universidades.
Pior ainda. Para chegar a tais diplomas e anéis de predrarias coloridas, quando não se garantiram níveis mínimos de conhecimento, foram surgindo universidades de esquina, que distribuíram diplomas “à rebanhica”, com o que se legitimou todo o tipo de torpezas. É interessante verificar que desses estancos irromperam licenciados e doutores de que a história registará a desvergonha, mas que contribuíram, pela sua ignorância e falta de escrúpulos, para encher de lama o país.
O último, por agora, é o caso do tipo que chegou a secretário geral do PSD, licenciado com 11 por uma universidade privada, onde depois fez mestrado com 18, concedido por um júri de curiosa constituição, que falsificou o currículo e foi secretário de Estado de um tal Miguel Relvas, que viu anulada uma licenciatura, conseguida também numa universidade privada. Por caminhos semelhantes andou a licenciatura abstrusa de José Sócrates e as de outros que virão ao de cima, se não tomarem consciência de que é tempo de a dignidade voltar a orientar a condução das vidas dos cidadãos de um país que não merece as humilhações a que o têm sujeitado.
Teófilo Vaz