Saudades dos cornos

PUB.

Ter, 19/04/2016 - 09:34


O Jornal Nordeste, tentando, como lhe compete, contribuir para a compreensão serena mas objectiva do contexto em que vivemos nesta nossa terra, desenvolveu um trabalho de verificação do efectivo pecuário na região, uma das actividades produtivas que tem sido proclamada como suporte fundamental da nossa economia.

Pressentia-se que a criação de gado, nomeadamente vacum, estaria em declínio. Bastava uma observação quase distraída para se ficar com a sensação de que já houvera melhores dias.

De facto, nas aldeias da terra fria e do planalto só esparsamente se vêem vacadas com algum impacto e, naturalmente, também é cada vez mais difícil ver gentes que não ostentem a brancura das cãs, sinal de sabedoria, mas também anúncio de tempos de passagem.

Apesar de se continuar a ouvir que daqui sai a melhor das carnes, que as raças autóctones são garantia de acrescentando valor, qual prometido “el dorado”, o que se verifica é que diminuem sistematicamente os criadores e, naturalmente, o número de animais também não conhece acrescentos, muito pelo contrário.

Nas ruas das vilas e cidades têm-se visto talhos, que eram verdadeiros resguardos da colocação da carne local, a fecharem as portadas sobre o cepo e o cutelo, símbolos do açougueiro e promessas de suculentas e tenras peças.

Ainda não há muito tempo se via gente que vinha de baixo, dos litorais, para se abastecer da vitela transmontana. Agora, somos nós, os que ainda cá estamos, que fazemos fila compacta nas secções light de talho das grandes superfícies, onde nos engodam com promoções de carne irlandesa, polaca, holandesa, vá lá, espanhola, se não quisermos falar da que chega daAmérica do Sul.

Assim, uma das nossas mais notáveis potencialidades está a caminho da rarefacção que nos conduzirá a uma outra desertificação, agora destes herbívoros que tantas delícias nos têm proporcionado. Ficaremos na situação estranha de virmos a ter saudades, quem diria, de cornos.

Cornos que têm conotações múltiplas, mas que, aqui, entendemos de forma literal, porque se deixarmos de os ver pelos nossos lameiros, já nem poderemos lembrar um lamento que nos é característico, quando queremos falar de desprezo insuportável, dizendo que a nossa miséria se concretiza na expressão “por cima de cornos, paus”, metáfora notável, com lugar cativo em qualquer tragédia destas nossas vidas reais.

De qualquer modo, antes só roeríamos os cornos depois de nos deliciarmos com a carne. Agora, se calhar, sem carne nem cornos, só sobrarão para nós as pauladas assassinas, que nos dirão os algozes serem os golpes da misericórdia que nos reservaram.

Por Teófilo Vaz