Ter, 27/06/2017 - 17:26
Artificiais são quase todas as fronteiras, muitas vezes fruto de decisões conjunturais que, nalguns casos, prevaleceram por séculos, apesar de impulsos vitais para lhes apagar o risco separador. Noutros casos foram oscilando, ao sabor de ventos da história, deixando sempre rasto de amargura.
Também o território português foi desenhado a golpes de espada ou em resultado de tranquilidades momentâneas, compradas por medos e submissões, instalando rotinas que se tornaram memórias, desligando povos, cortando raízes, erguendo ameaças e promovendo dissensões.
Hoje facilmente se percebe que é tempo de encontrar outras formas de organização do espaço e das gentes, até porque se sentem, como nunca, os efeitos nefastos de raias impostas, especialmente para os que aqui se mantiveram, pouco podendo contra centralismos reiterados e, por isso, assistindo ao mirrar das terras, na medida do seu esvaziamento que alimentou monstros cabeçudos.
Aparentemente até os responsáveis pelo agravamento da macrocefalia das capitais estão a sentir que é preciso arrepiar caminho, mas não demonstram a força nem a determinação necessárias, ficando-se por piedosas intenções, ao mesmo tempo que retomam a ladainha que aponta às vítimas de décadas e séculos de marginalização a responsabilidade das condições a que se chegou.
Não será esse o caminho. De uma vez por todos é preciso que se reconheça que a inversão da situação das zonas raianas depende principalmente de decisões dos dois estados (Portugal e Espanha), que as foram empurrando para a tragédia que tende a agravar-se. Porque, afinal, ninguém quer, deste ou do outro lado da raia, avançar para medidas que seriam vitais para que se possa pensar nalgum futuro.
Há dois territórios que lideram o ranking do abandono: o distrito de Bragança e a província de Zamora. Era aqui que se devia ter garantido uma discriminação positiva que suportasse a revitalização do tecido económico, conjugando redes de transportes, promoção de investimentos produtivos e a valorização patrimonial e turística.
Não estamos exactamente nas mesmas condições e o nordeste transmontano apresenta debilidades mais graves do que as terras zamoranas, mas o destino pode ser fatal dos dois lados da raia. Por isso não se entende que, na recente cimeira ibérica, os problemas destes dois territórios tenham sido simplesmente ignorados, levando mesmo a que do lado espanhol haja a denúncia de promessas de agendamento não cumpridas, traduzindo um desprezo pouco consentâneo com as ilusões vendidas quando se faz a festa da localização privilegiada destes territórios raianos.
Olhando com frieza a realidade até onde a vista alcança, sente-se que já estamos quase no ponto sem retorno. Mesmo onde ainda há vida, já se respira a custo. Se nada for feito até os centros médios, como as cidades do eixo da A4, do nosso lado e a envolvente de Zamora poderão entrar em decadência irreversível.
A raia partiu-nos. Não admira que queiramos, ao menos, que os responsáveis vão eles próprios para a raia que os parta.
Por Teófilo Vaz