Política à moda do galinheiro

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Ter, 05/03/2019 - 03:46


Muitos se lembrarão de viver, nas aldeias mas também nas cidades, nomeadamente no interior rural, até há menos de 50 anos, paredes meias com galinheiros, pombais ou lojas de porcos, importantes para a economia familiar, quando ainda não havia aviários nem pocilgas industriais.
Até o arcaico Salazar, que descera da Beira para tomar conta do império maltrapilho, criava galináceos numa capoeira em São Bento e, pelos vistos, até vendia ovos à vizinhança. 
O galinheiro, à maneira do “Animal Farm” (O Triunfo dos Porcos), de George Orwell, pode proporcionar a reflexão sobre a condição da humanidade e a realidade política, prática que a filosofia e a literatura promoveram ao longo dos séculos, através de fábulas e parábolas que, afinal, pouco têm aproveitado às gerações que se sucedem, replicando misérias sem esperança.
Podemos, com proveito para a análise da realidade regional, servir-nos da observação das comunidades galináceas, férteis em processos de submissão, de dependência do fornecedor de grãos, verduras e farelos, até que fosse tempo do facalhão e da panela.
Entretanto, a vida corria aos ritmos que a natureza permite. Galos e galarós, peritos na arte de arrastar a asa, curtiam a espera do cantar desafiante e dos esporões, armas da guerra inevitável para chegar ao poleiro. Assim corriam dias e anos, com danças de guerra a cada nova geração, pelo controlo do império triste do galinheiro.
Deixando de efabular, a nossa região não anda longe da condição galinácea. O dono da quinta é avaro quando espalha o grão e diverte-se com o torvelinho de poeira que resulta do tumulto para chegar primeiro ao milho, que enche o papo mais depressa.
É claro que estamos a falar das lideranças políticas a que temos direito, por responsabilidade própria, quando votamos, nos abstemos da cidadania ou nos encolhemos perante o que é decidido nas imediações do Campo das Cebolas. Pior é gastar calorias a procurar cantar mais alto ou a arranhar o chão, com ar ameaçador para os vizinhos do lado, agarrem-me se não desfaço-o, em nome de decisões que foram tomadas para provocar o espectáculo ridículo da histeria do passa-culpas, garantindo aos que lançam as sementes da dissensão o triunfo que procuram no silenciamento das vozes que restam na defesa de um futuro mínimo para estas terras, às portas do inferno, que é o fim sem honra nem glória nem dignidade.
Na ficção de Orwell ganham os porcos, perde o burro esforçado, sai humilhado o cavalo garboso e a generalidade da animália não encontra força para resistir aos roncos vindos da masseira.
Neste nossa vida real, os responsáveis políticos nacionais, de todas as cores, continuam a fazer de nós gato-sapato, riem-se à farta quando nos engaliamos a propósito do grão bichoso que nos lançam, porque só precisam de ficar à espera que, entre golpes de esporão e bicadas, chegue o dia em que, escorridos do sangue e carregados de mazelas, nos deixaremos cair, quando já estarão a pairar sobre o galinheiro o gavião e o milhafre, prontos para a partilha da carniça, despojo de uma história que podia ter sido outra.