Ter, 19/07/2016 - 09:36
Daqui a 50 anos, se for consultado um arquivo digital “super fancy”, da memória do meado de julho de 2016, quem estiver em frente ao écran, se é que ainda haverá écrans…, passará como cão por vinha vindimada (tentação retro, esta de falar em provérbios) por uma nota obscura sobre perspectivas de investimento estrutural para o nordeste transmontano, avançadas de forma pouco clara por um ministro do governo de agora, de mão dada com a responsável de uma unidade de missão para o desenvolvimento do interior.
Falaram em Macedo de Cavaleiros, onde repetiram lugares comuns sobre a localização estratégica do distrito de Bragança relativamente ao coração da Europa, o que seria, naturalmente, uma vantagem a ter em conta no contexto do país, mas principalmente da região, acrescida de uma mais valia fundamental: a conexão com territórios do país vizinho, numa Europa sem fronteiras. Lugares comuns, porque há mais de 30 anos que tal condição é celebrada, sempre com resultados pífios, ou pior do que isso.
As declarações foram proferidas numa reunião do partido que lidera o governo, nesta fase em que se vivem tempos que, para uns, são de rupturas prometedoras, enquanto outros os encaram como caminhos de alto risco, passíveis de reconduzir o país a um trajecto de certo e sabido naufrágio, para gáudio dos novos adamastores, não só tonitruantes, mas verdadeiramente sanguinários, num festim realizado sobre as milhentas misérias que repõem o mundo no verdadeiro lugar da eterna perdição.
Perante isto, as gentes do nordeste transmontano não romperam em entusiásticos hossanas, até porque lhes vão faltando as forças, sequer para respirar. Mas também porque, em tempos idos, já se ouviram responsáveis da condução política do país, proclamando quererem redimir-se, apesar de relapsos, do pecado da omissão que nos tem posto à mercê da gadanha da história.
É quase constrangedor continuar a ouvir discursos redondos, sem consequências, aparentemente destinados a funcionar como paliativos, mesmo à espera que chegue o dia em que deixaremos de perturbar o folguedo das turbas sem horizonte, como aconteceu com o famoso “pôr Bragança no mapa”.
Quando ouvimos um ministro retomar arengas recocadas, em conjugação com a responsável da unidade de missão por vir à luz, que admite ainda colocar-se a possibilidade de a região vir a ser contemplada numa redefinição da rede de ligações ferroviárias, a primeira pulsão é a do desabafo carroceiro, para depois, mais serenamente, lançar um olhar reprovador, mas misericordioso, sobre a dissimulação, talvez envergonhada, de quem aparece à flor do palco, para uma representação mal amanhada nos bastidores da politiquice nacional. Porque nós até conhecemos os planos de intervenção na rede ferroviária.
Naturalmente, os protagonistas locais que apoiam o governo, estarão a debater-se com o dilema de aplaudir mais uma opereta ou ter a coragem de dizer, olhos nos olhos, aos enviados da capital que já basta de procrastinar e ou sim ou sopas.
Esta situação de falinhas mansas, mesuras e palmadinhas não tem contribuído para nos dignificar e muito menos para mudar a nossa condição, que continua a ser a de atentos e obrigados lacaios cerimoniosos de um poder que precisa de conhecer o vigor e a coragem de que, por aqui, somos capazes.
Por Teófilo Vaz