Os discursos do 10 de Junho e a sina do interior

PUB.

Qua, 12/06/2019 - 09:53


João Miguel Tavares é um filho da revolução porreiraço, lisboeta de Portalegre que, por mérito inegável, se faz ouvir em tribunas com impacto nas manobras da política nacional, deixando reflexões, análises e críticas que vale a pena ter em conta.

Por isso e por ser de Portalegre terá recebido o convite do Presidente da República para liderar as comemorações do 10 de Junho. Muita gente ficou impressionada com o discurso claro, simples, frontal que produziu, sem tiques de erudição despropositada, falando da vida real, das expectativas e das desilusões de gerações inteiras nas últimas décadas.

O presidente até o qualificou como iconoclasta, no que terá cometido carinhoso exagero. Pelos vistos Marcelo Rebelo de Sousa também quis que as comemorações servissem para voltar a falar do interior, “Portugais demasiadas vezes esquecidos”, proclamação sem novidade, que nunca foi senha para abrir horizontes, apesar de repetidas penitências públicas de figuras de proa da nossa história recente.

Esperava-se que João Miguel, nascido no interior, num distrito que já só elege dois deputados dos 230 que decidem as linhas que nos cosem, fosse expressão tremenda do grito longamente calado dos que “resistem à distância física e política”, outra vez palavras do presidente. Mas não. Ficámos a saber do seu triunfo na caminhada para a ribalta da capital. Filho de dois funcionários públicos, fora para Lisboa e ali tinha chegado, à presidência das comemorações. O que queria era que qualquer um tivesse as mesmas possibilidades, de Portalegre, de Viseu ou de Bragança.

Muito bem, sentimos quase todos. Mas logo se gerou difuso incómodo. Afinal, a realização social e política, a tranquilidade material e as expectativas de futuro com dignidade estavam associadas à capital, onde tudo se decide.

Portalegre ficou para trás no caminho para chegar ao sucesso, como Viseu, Bragança, Guarda, Vila Real ou Beja. Mas sobre isso é que valia a pena reflectir com coragem, em vez da resignação insustentável junto dos que quiseram ficar mas não viram garantido um “compromisso de futuro para com as terras e as gentes”, promessa de Marcelo no discurso logo a seguir, antes de voltar a pairar no esplendor da sua leveza, sobre a realidade do despovoamento, da decrepitude, do fim à vista dessa realidade a que chamou o Portugal de todos os portugais, uma bela tirada de retórica.

No fim de contas, segundo João Miguel Tavares, nascidos aqui ou ali, num qualquer terrunho deste país, não fica alternativa se não arrimar-nos a Lisboa, porque é lá que se respira a prosperidade, que se garante a dignidade, que se realizam as ambições, respeitáveis ou esconsas.

Também há, pelo nordeste transmontano, quem encare assim o destino, fugindo do berço de estopa como o diabo da cruz, renegando as raízes. O resultado pode ser semelhante ao da criada, de volta à terra, que já não conhecia o engaço e pronunciava todos os “bês” como “vês”, para se dar ares de gente fina.

Alguns morreram felizes assim, apalermados, outros vão rodopiando na festa das ilusões até que tomem consciência da cupidez a que se renderam. Será sempre tarde demais.

 Teófilo Vaz