Ter, 07/01/2020 - 00:59
Bragança voltou às manchetes por razões estranhas, desta vez com tons de morte, na sequência de um episódio absurdo, em que, aparentemente, a vítima maior foi o mais bem intencionado dos intervenientes numa altercação, quando se respirava instinto, uma característica de que a humanidade não se libertou, nem se libertará nunca, a não ser que ascendamos à condição divina.
No processo a que chamamos civilização tem-se garantido alguma distância da crueldade natural, com resultados respeitáveis, que justificam acalentar esperanças de que algum dia a condição humana se torne uma conquista irreversível.
No entanto, trata-se de um percurso armadilhado, a requerer permanente apoio da razão e dos instrumentos que foi gerando como a ética, a moral ou mesmo a estética, com o fito de atingir o bem, inspiradora miragem, repetidamente escarnecida pela realidade dura da selva em que continuamos a sobreviver.
Todos os dias sentimos calafrios de desilusão. Exemplos como os de líderes fanáticos ou reacções dos que consideramos ter a obrigação da dignidade, como acontece com o sr. Trump, não indiciam nada de bom para os tempos que aí vêm. Pelo contrário, contribuem para legitimar uma animalidade arrogante, brandida como troféu, confundida com a coragem, quando é a expressão básica da cobardia.
Se os maus exemplos vêm de cima, dos que têm verdadeiro poder de nos condicionar as vidas, somos levados a adaptar-nos, procurando simplesmente sobreviver, campo propício ao fulgor instintivo. Mesmo assim há alternativas. Basta que não se ceda à displicência nem se encolham os ombros à omissão, permitindo o capricho como um direito e descartando responsabilidades educativas das famílias e do Estado.
Não vale a pena vir proclamar que neste país vive a geração mais instruída e qualificada de sempre, se continuamos a assistir às vergonhas da academia de Alcochete e ao nojo dos comportamentos nos estádios, nas escolas, nos hospitais, nas discotecas e nas ruas.
Uma jornalista do Nordeste deu conta da boçalidade de mães e pais de meninos que participaram num jogo de futebol de iniciados entre o Vale do Conde e o Vianense, anunciando que os futuros adultos não se coibirão do arreganho, da torpeza e da violência.
Sabemos que, há décadas, havia uma espécie de violência ritual que irrompia pelas festas anuais, com largos das aldeias a ser varridos a murro, a pontapé, à pedrada, à paulada, mas era o mundo de gente ignara, dura de corpo e alma. Por vezes também acabava no triunfo da morte. Mas, por alguma razão se diz acreditar que a educação tem um papel fundamental na construção da democracia e de cidadãos respeitáveis, responsáveis e livres.
Só que não basta dizer, é preciso agir de modo a que uma minoria bestial não tome conta do espaço público, militando contra as regras básicas da convivência, com arrogância intolerável, expressa no insulto soez, na provocação ostensiva, na usurpação de precedências, na podridão do escarro, enfim, na reconstrução quotidiana do inferno.