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O lado grotesco da política à portuguesa

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Seg, 14/12/2020 - 22:30


Ninguém queria acreditar no que dizia um ministro desta república em conferência de imprensa, após uma reunião do Conselho de Ministros, na tarde da passada quinta-feira. Os cidadãos esperavam, naturalmente, o anúncio, sério e digno, do abandono do cargo por parte de um protagonista com obrigações de honradez e coragem, para salvaguarda do regime democrático.
Foram penosos os longos minutos da lenga-lenga de um mísero choramingas, à maneira dos garotos cobardolas, que procuram safar-se de responsabilidades, apontando o dedo para todo o lado e acreditando que acabará por vingar a habitual comiseração pelo coitadinho. Muitas vezes o que se segue é o retorno à arrogância, quase sempre associada à convicção de que a impunidade é a principal conquista numa vida sem vergonha.
Há muito tempo nos desabituáramos destas cenas no terrunho que nos alimenta as raízes. Lembramos com sorriso quase desdenhoso a bazófia de César Moreira Batista, Secretário de Estado de Marcelo Caetano, que, ao que se diz, quase se borrou no 25 de Abril ou dos discursos titubeantes do almirante velhote, perdidos entre inaugurações de fontenários e sanitários públicos.
Depois tivemos que aturar as arengas de Vasco Gonçalves, erigido à vanguarda dita revolucionária, carne para canhão que veio a disparar de forma pífia, mas lhe garantiu um lugar nas memórias ridículas que guardamos no anedotário para desopilar. Mas, se olharmos à volta, quatro décadas depois não faltam por aí figurões capazes de nos revirar o estômago com as suas manigâncias, quando pretendem distorcer a realidade, tentando perpetuar-se no poder sem legitimação democrática, negando responsabilidades próprias e mostrando-se dispostos a recorrer a estratagemas diabólicos, como acontece na Venezuela do nosso descontentamento ou nesse episódio degradante que têm sido as últimas semanas no país que levou com Trump nas ventas.
De facto, não vinha nada a calhar, no meio da tragédia que se vai navegando, ter que reconhecer que a segurança quotidiana dos portugueses depende de uma liderança balofa, caprichosa, complacente consigo mesma, que confunde o exercício de funções vitais para o país com a vaidadezinha dos argumentos à mesa do café ou a teorização sorrateira sobre direitos fundamentais, enquanto à sua volta a violência e a morte fazem a dança das cadeiras.
A solução encontrada para a Administração Interna depois da catástrofe de 2017 sempre pareceu inadequada. A autoridade democrática, fundamental para que a sociedade não resvale até à desordem demolidora, não se legitima sem a firmeza serena de quem assume e exige responsabilidades. Para isso, é preciso dispor da força que a razão sustenta, que é muito diferente das manobras que a intriga tece, peneira que não tapa o sol da verdade, sempre capaz de pôr à mostra as misérias éticas e morais dos mais refinados tartufos.

Teófilo Vaz