Ter, 22/05/2018 - 10:45
Quase no fim da segunda década do século XXI estamos a viver uma semana que poderia constituir um ponto de viragem no destino do país, se fosse aberto realmente o caminho de ruptura com as políticas que condenaram três quartos do território ao abandono.
O Movimento para o Interior apresentou, na sexta-feira, ao Presidente da República, 24 medidas para “revitalizar o interior”. Entretanto, o ministro adjunto do primeiro ministro tinha convidado órgãos de comunicação social regional para uma entrevista, a divulgar a partir de quinta-feira, em que fez um balanço da aplicação das 164 medidas, anunciadas há cerca de dois anos, no âmbito da Unidade de Missão para o Desenvolvimento Interior.
Facilmente se percebeu que havia calendários de oportunidade política. Observando melhor, fica-se com a sensação de estarmos perante um leilão de medidas fantásticas, de encher o olho, mas condenadas a não passar de intenções, daquelas que giram para o inferno da história.
O porta-voz do Governo anunciou que 73 por cento das 164 medidas já tinham sido concretizadas, embora os cidadãos não lhe sintam os efeitos nos diversos sectores da administração, nomeadamente na saúde, na proximidade dos serviços, na celeridade das decisões, nas garantias de segurança e muito menos no que respeita à mobilização de investimentos, ao tratamento equitativo nas redes de transportes e nas comunicações móveis, condições básicas para que possam esperar-se vontades de fixação nestes territórios.
Isto para não falar da deslocalização de serviços do Estado, defendida pelo Movimento pelo Interior, mas objecto de sérias dúvidas por parte do ministro Pedro Siza Vieira, que se mostrou preocupado com a estabilidade das pessoas que poderiam ser deslocadas da capital, preocupação que nunca surgiu relativamente aos que, querendo manter-se no interior, foram forçados a abdicar da estabilidade para ter acesso a um posto de trabalho.
Mas o senhor ministro vislumbrou, agora, outras formas de fazer justiça, avançando com promessas de compensação por serviços inestimáveis prestados ao país na qualidade do ar, na retenção do carbono, na água pura e nas energias renováveis. Nada que não se diga há décadas, mas sem efeitos práticos.
Talvez estejamos a assistir ao espectáculo deprimente da piedosa visita ao moribundo, a quem se dá ânimo com a fantasia do que há-de ser depois do seu passamento, para que parta ainda iludido, mas descansado.
Os cidadãos que enchem o litoral já se perderam das raízes e da memória do interior. Até estranham que se coloquem tais questões. Mesmo as vedetas do “Governo Sombra”, em Bragança, se deixaram dizer que não percebem o problema num país com menos de 200 km de largura. Naturalmente, eles vivem na grande capital e nunca sentiram as dificuldades que têm esmagado as expectativas dos que resistem por cá, apesar da estreiteza geográfica do país, o que também revela a inteligência minúscula de quem tem mandado em Lisboa.
Teófilo Vaz