O inferno a que nos condenaram

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Qua, 23/08/2017 - 11:25


Num país a arder, observa-se uma sequência estranha de decisões dos responsáveis da governação, que nos leva a considerar que quem manda, afinal não pode ou, pior, não quer que as coisas mudem, apesar da simplicidade das decisões que inverteriam uma situação que está a tornar-se uma normalidade inadmissível.
Já todos percebemos que, com a concentração das populações na faixa litoral, se deixou grande parte do território à mercê da natureza, que tem os seus próprios desígnios, insondáveis, mas não tanto como alguns querem fazer crer.
Se nunca houve vontade de reverter os factores que determinam a concentração demográfica, impunha-se que, pelo menos, se acautelasse a possibilidade de, num futuro próximo ou longín-quo, perante inevitáveis tragédias, se pudesse voltar com tranquilidade às origens, que poderão repor a esperança de gerações futuras.
Mas não. A displicência, o deixar andar, a auto justificação ou a má consciência estão a reduzir o país a cinzas, com um cortejo de mortes, prejuízos e exaustão de milhares de bombeiros, dedicados e empenhados, mas incapazes de dar combate eficaz a um inimigo que, afinal, ninguém conhece, que não foi objecto de aturada observação e contra o qual nunca se desenvolveu uma estratégia sólida.
Por isso nos surpreende a cada ano que passa, com redobrada capacidade destruidora de vidas, de bens e da nossa própria honra, até que a chuva nos alivie da vergonha.
Quando se continua alegremente a deixar despovoar o território, não se pode esperar que as corporações de bombeiros estejam plenas de frescura porque, também ali, os efectivos estão em redução, envelhecimento e tomados pelo desânimo.
Tratando-se de uma questão de garantia da integridade nacional, é urgente que seja criado um corpo militar especializado, preparado especificamente para as tarefas de combate aos in-cêndios florestais, numa rede que cubra todo o território, com efectivos suficientes para garantir a prevenção e, especialmente, o combate precoce, de modo a que não se viva esta tragédia anual de milhares e milhares de hectares reduzidos a cinzas.
Por outro lado, os meios de ataque ao fogo não poderão continuar entregues a agentes económicos que, legitimamente, prestam serviços, mas não têm obrigação de sentir a emoção dos efeitos demolidores das razias, como quem sente o país a fenecer.
Não se percebe que as Forças Armadas, nomeadamente a Força Aérea estejam arredadas de uma tarefa que, claramente, está relacionada com a garantia de soberania nacional, apesar do que se tem visto nos últimos dois meses, numa expressão canhestra do ditado popular “casa roubada, trancas à porta”.
Até é possível conceder que a concentração litoral e urbana fosse a opção, estúpida embora, de um certo novo riquismo dos dirigentes conjunturais, a rebolar-se na distorção dos direitos que Abril proporcionou, mas nada justifica que, instalados nos gabinetes sobre o Tejo, reduzindo os horizontes do mar oceano aos efeitos da maresia e confundindo o paraíso com as praias plantadas de plástico, nos tenham conduzido à incúria que alimenta o inferno literal que se tem vivido no resto do território.