Ter, 09/04/2019 - 13:50
Belíssima ao ponto de deixar siderado o deus dos deuses, senhor do Olimpo, que decidiu arrebatá-la para um dos seus paraísos privados, Europa, a figura mitológica, princesa, ninfa, quase deusa, veio a dar nome à península ocidental do grande continente que é a Eurásia.
Entre as referências mitológicas e a realidade que conhecemos viveram-se muitos séculos de dinâmicas históricas, por vezes contraditórias, que alimentaram a concepção difusa de uma identidade essencial, construída sobre paradigmas da Grécia clássica, potenciados pela memorável experiência do quase meio milénio de esplendor imperial de Roma, que semeou uma língua de unidade, o direito, a administração descentralizada, o aparelho militar eficaz, a rede de comunicações, os avanços técnicos e as culturas agrícolas no território.
Apesar disso, a fragmentação e o caos não poupariam a Europa durante quase mil anos, reinstalando o isolamento, a subsistência, a miséria e a pulsão violenta, que nos puseram a olhar para a vida terrena como um degredo, de que só a morte seria alívio suficiente.
Mesmo nesse contexto medrou um factor de união, a herança judaico-cristã, conduzida por uma igreja que herdara alguns desígnios de um império desfeito, recuperando a ideia de Europa e dando-lhe corpo, num tempo longo em que se viu cercada pelo Islão.
Não deixou de correr sangue e campear a dor, a fome e a miséria, até àquele século funesto de 1300, que varreu mais de um terço das gentes. Depois chegou o tempo de cavar a prosperidade mundo fora, uma saga de disputas mais do que de cooperação, continuando o destino marcado por localismos herdados das dependências feudais.
Mesmo assim, não se perdeu totalmente o sentido da identidade e, nos últimos três séculos, a Europa foi integrando uma ideia de centralidade civilizacional, com componentes inovadoras e humanizantes, mas também de soberba que justificou a ignomínia em nome de pretensa superioridade, o que levou à definição artificial como continente, sem garantir a unidade, razão da conflitualidade permanente, com intervalos de paz podre, onde germinaram sementes das guerras pelo ouro, pelo açúcar, pelo algodão, pelos escravos africanos, pelas riquezas do Oriente, pelas matérias primas, pelas fontes de energia e pelos mercados dos produtos industriais.
Dividimos a América, depois a África, mas também muita Ásia. Daí até às fragorosas guerras a que chamámos mundiais, foi um assomo de raiva, que nos deixou, mais uma vez, na miséria e desolação. Parecia termos percebido que bastava de nacionalismo egoísta, de orgulho enfatuado, de oportunismo entre os povos deste bocado de terra firme. Chegámos à CEE, à União, que só alinhavámos e arriscamos ver desengonçar-se, se iludirmos os riscos que corremos.
Maio pode ser o fio da navalha, que corte com a cupidez e nos afaste do mundo fantasmagórico de todas as obscuridades ou, pelo contrário, nos remeta definitivamente para a desgraça da insânia e do medo.
Que a beleza mítica nos sirva de referência para não deixarmos que as entidades infernais escarneçam do futuro que não chegarmos a construir.