O alto risco da democracia

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Ter, 26/07/2016 - 09:36


A eleição de Costa Andrade, um transmontano de Carção, para presidir ao Tribunal Constitucional é um facto que contribui para encararmos o futuro com algum optimismo. Trata-se de homem que participou na elaboração da nossa lei fundamental e que tem dado provas de carácter, saber e dedicação à causa pública, um exemplo de que a democracia é uma utopia possível.
No entanto, a observação dos tempos que correm, mesmo quando orientada pela ponderação racional, não permite afastar inquietações sérias sobre as condições em que o mundo avança, nesta segunda década do novo século.
Sucedem-se actos de selvajaria a um ritmo que nos parece inaudito, se não tivermos em conta a vertiginosa circulação da informação e a propensão para o realce dos aspectos negativos, mesmo diabólicos, por parte de uma comunicação social que vive dependurada nas audiências, que nunca serão medida da qualidade e, muito menos, da profundidade que permite a compreensão do mundo.
Esse é um dos aspectos penosos da vivência democrática, onde o imediatismo nos arrasta, numa torrente que nos atola na inconsciência e nos reduz ao lado instintivo, com tudo o que isso significa de afloramentos do temor, da cobardia e do egoísmo mais pecaminoso.
Pressente-se que a histeria e a prostração tendem a invadir o quotidiano das nossas sociedades, abrindo caminho a toda a sorte de demagogos e pregadores do apocalipse, capazes de transformar a turba numa carneirada, disposta a aceitar todas as misérias morais.
Quando se arriscaram os passos heróicos que nos trouxeram às democracias modernas, não se esperaria que o resultado fosse hoje tão estranho. Na verdade, as democracias permitiram conquistas notáveis, mas também induziram grandes tragédias. Se nos lembrarmos que, há 80 anos, o nazismo alemão chegou ao poder legitimado pelo voto democrático, talvez possamos dedicar-nos a tentar perceber os riscos graves que corremos.
Um imenso pesadelo continua a pairar sobre a nossa tranquilidade. No Irão dos ayatollahs o poder tem sido legitimado por actos formalmente democráticos, o que, definitivamente, não o torna respeitável, do ponto de vista civilizacional. Também não tem sido grande exemplo a experiência formalmente democrática da Venezuela, onde a paranóia chavista se tornou numa doença contagiosa, com um espectro de morbilidade insuspeitado.
As multidões uniformizadas, ainda que de t-shirt e boné, diferem pouco ou nada das rigorosamente fardadas tropas de choque hitlerianas, que arrasaram a dignidade alemã. Também é com muita dificuldade que se entende o fenómeno dos Estados Unidos, onde um verdadeiro nababo, cheio de dinheiro, ganho sabe Deus como, se permite todos os dislates, com o apoio baboso de milhentos americanos, que só podem ser o produto de disfunções da democracia, afinal também um viveiro de broncos.
Outro exemplo de que a formalidade democrática pode não ser raiz vivificante está no que vamos presenciando na Turquia, onde foi, repetidamente, legitimado um tirano através do voto popular.
A democracia pode trazer no ventre os monstros da ignorância e do obscurantismo. Em vez da nobreza que a condição humana permite, cultiva-se democraticamente o que de mais desprezível pode caracterizar-nos. Por isso, o mundo está perigoso. Precisamos de contributos que se elevem acima do esterco da demagogia, para podermos chegar a uma nova utopia: a aristocracia democrática, onde todos acedam à dignidade e à sabedoria libertadora.

Por Teófilo Vaz