Seg, 22/06/2020 - 23:02
O edifício do hospital de Bragança foi inaugurado no ocaso do regime do Estado Novo, em Abril de 1973, interrompendo longo ciclo de ostensivo descuido do poder político relativamente à prestação de cuidados fundamentais de saúde a uma população empobrecida, debilitada, condenada à diáspora.
Trata-se de um edifício notável do ponto de vista arquitectónico, funcional e esteticamente marcante, que mobilizou atenções nacionais e internacionais para a obra e para cidade.
Na altura também contribuiu para atrair médicos especialistas que tenderiam a ficar-se pelo litoral, mas não se concretizou a expectativa de manter a atractividade porque, nos últimos 47 anos, a intensa concentração da população na faixa costeira nunca foi contrariada, com as consequências que conhecemos.
O rosário é sempre o mesmo: os médicos não vêm para o interior porque não haverá condições para a evolução que esperam nas suas carreiras, a realidade demográfica não suporta tecnologias de ponta nem garante escala aos actos médicos, levando-os a procurar outras soluções.
Assim não é possível garantir serviços de qualidade, nem condições de formação, instalando-se o ciclo vicioso, não há médicos porque não há gente e há cada vez menos gente porque não há médicos.
Como se não bastasse, as próprias estruturas hospitalares no distrito não têm conhecido intervenções de monta, apesar de promessas nunca cumpridas.
A unidade de Macedo de Cavaleiros caminhou para uma certa especialização em patologias próprias de uma população envelhecida, enquanto a de Mirandela tem vindo a perder valências. Entretanto, o hospital de Bragança está à espera de obras desde 2004. Foi então anunciado um investimento de 40 milhões, o que até permitiu caprichosa reivindicação de demolição do edifício e construção de um novo. O governo era liderado pelo PSD.
No ano seguinte, entrámos na era Sócrates e a ilusão desfez-se. Inventaram-se uns remendos, cosidos na demora, sem melhorias funcionais, o que contribuiu para agravar a degradação das instalações, nomeadamente com a utilização intensa da velha clínica de cuidados psiquiátricos para os serviços de medicina interna. Aí as condições são precárias, perto da indignidade, uma superlotação resultante do nunca explicado abandono de internamentos para situações menos graves nos centros de saúde dos doze concelhos, transformados em entrepostos de doentes, tornando as estradas do distrito das mais frequentadas do mundo por ambulâncias, carregadas de idosos, aos baldões, gemebundos, desorientados, o olhar no infinito nada.
Dezasseis anos depois o investimento vai ficar-se por menos de um décimo do anunciado. Nem sobrarão uns trocos para latas de tinta que lavem a cara ao “hospital de cima”, como não se garantirá verdadeira requalificação do edifício principal, o que também não atrairá as novas gerações de médicos.
Curiosamente, nestes 16 anos foram feitos investimentos massivos em vários hospitais, construídos de raiz, na grande Lisboa, no grande Porto e noutras cidades do litoral.
É assim a vida num país com nove séculos de história, onde continua a triunfar a falta de vergonha que veste a ignorância.
Teófilo Vaz