Ter, 17/09/2019 - 00:05
A relação equilibrada com a natureza é vital para que se mantenha expectativa de futuro longo e tranquilo para a humanidade. Durante milénios, por todo o mundo, comunidades humanas têm sabido encontrar soluções para a sua sobrevivência, mobilizando recursos colhidos na flora, na fauna, nos rios, nos mares, na atmosfera ou no subsolo, por vezes cometendo erros, mas geralmente sem resultados trágicos para elas próprias nem para o planeta.
Enquanto a natureza foi determinante viviam-se vidas curtas, muitas vezes penosas, para uma imensa maioria de passageiros desta viagem para a eternidade de todas as delícias, promessa de diversas religiões que olhavam para o tempo neste mundo como um tormento redentor.
As fomes eram cíclicas, com ritmos marcados pelas reviravoltas do clima ou pela guerra predatória, na mira de apropriação de recursos limitados, com a força a determinar quem sobrevivia. Por isso, a população mundial não denotava tendência para a expansão. Pelo contrário, depois de curtos períodos de crescimento demográfico vinham hecatombes que faziam recuar as populações para níveis adequados aos parcos recursos que era possível explorar ou produzir.
Desta realidade dura não havia salvação na terra até há pouco mais de duzentos anos, frustrando a proclamação bíblica “crescei e multiplicai-vos”. Só pelo fim do século XVIII avanços científicos e tecnológicos e os primeiros passos da globalização económica permitiram olhar para o futuro como promessa de prosperidade crescente dos seres humanos.
Logo o reverendo Malthus percebeu que a situação podia tornar-se um problema, com uma expansão populacional demolidora para os recursos então conhecidos. Mas, os entusiastas da tecnologia e da ciência, em aliança com os prosélitos da misericórdia humana e divina, desacreditaram o lúcido pessimista, anunciando novo maná que nunca mais deixaria mirrar a criação. Cresceram de forma inaudita as produções de cereais, o efectivo pecuário com destino ao abate para alimentar multidões subiu exponencialmente e o tempo de vida foi-se prolongando, trazendo novas razões de festa, mas também novos problemas comezinhos, desde a diabetes até às unidades de cuidados paliativos, nas sociedades ditas de bem-estar.
Essas mesmas onde as condições são propícias ao florescimento de um hedonismo recalcitrante que atingiu um patamar nunca visto , pretendendo transformar algumas espécies animais em brinquedos com vida, enquanto à sua volta se repetem velhas tragédias.
O limite foi atingido quando tresloucados se arrogaram o direito de falar em nome das galinhas, que serão violadas pelos galos. Assim, só nos resta apontar o dedo a La Fontaine que, carregado de boas intenções, pôs os animais a falar nas fábulas. Bem sabemos que não lhe passava pela cabeça que a estultícia chegasse ao ponto de lhe levar as histórias à letra.
Estes caminhos podem conduzir-nos ao reconhecimento de que a solução que alguns defendem é a redução do efectivo do sapiens, o homem como o conhecemos, retomando modelos aparentemente harmoniosos, mas marcados pela estratificação social, em que uns, poucos, eram os eleitos de uma qualquer ordem perene e os outros se sujeitavam a servir-lhes os caprichos, por mais absurdos que fossem.
Teófilo Vaz