Guardar distâncias nas presidenciais

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Ter, 15/09/2020 - 00:11


Foi uma semana farta em anúncios de candidaturas às presidenciais, depois de um Verão a recocar no caldo morno, gorduroso e insosso da política nacional, prestes a dar ao azedo, por vias da peste que nos tranca a goela, secando corpos, abafando entusiasmos, matando esperanças, roendo as poucas forças que restam para mudar o futuro desta terra.
Se alguém estava à espera de verdadeiras novidades pode tirar daí o sentido porque, nos próximos quatro meses, pouco mais vamos ver, ouvir e ler além do bailado de passo miúdo, saltitante, ágil, calculado ao milímetro, de Marcelo Rebelo de Sousa, do discurso monótono do PCP pela boca de João Oliveira, sobre os trabalhadores e o povo das áreas metropolitanas, a disputar público à voz envolvente de Marisa Matias, longe dos tempos do B.E. no papel de ovelha negra, agora acomodado aos confortos do quintal do palácio, à espera de entrar pela porta dos fundos e das pregações de Ana Gomes, a apelar à consciência de uma esquerda que se foi perdendo nos meandros deste quase meio século, carregado de espantos e desilusões.
Também não faltarão ecos perturbantes do que disser André Ventura, de uma espécie de crescimento rápido, menos exótica do que parece, nesta Europa a chegar à terceira década do século XXI, tempo antes imaginado para a consolidação da humanidade livre, solidária, fraterna, a irradiar dignidade neste arrabalde da galáxia.
Resta ainda o Tino, com tino ou desatino, tanto importa, que não deixará de provocar simpatias e desdéns, na sua simplicidade quase pimba.
Os cidadãos do nordeste transmontano, no seu saber de más experiências feito, hão-de querer guardar das presidenciais a conveniente distância social e política, porque os diversos candidatos insistirão em iludir os problemas reais deste território e das suas gentes, esmagando-os em nome de responsabilidades nacionais e internacionais, como sempre tem acontecido.
A presidência da república é um órgão fundamental no sistema político. Dispõe de recursos constitucionais capazes de influenciar decisivamente a construção do presente e do futuro, que não foram utilizados por nenhum dos protagonistas que lá chegaram, apesar de  algumas iniciativas mais voltadas para o espectáculo do que para condicionar os governos. Por isso se tornaram memórias lastimáveis de oportunidades perdidas para reverter injustiças praticadas durante longas décadas, mesmo séculos, que nos impuseram a decadência.
Os governos nunca demonstraram vontade de evitar a desgraça. Só poderíamos recuperar alento se houvesse um presidente disposto a desferir o necessário murro na mesa do imediatismo, do eleitoralismo, da venalidade, da cobardia, do novo riquismo-petulante, da falta de sentido de responsabilidade histórica.
Não parece ser o caso. O actual presidente sente-se bem com as palmadinhas nas costas do partido do governo e o respeitinho, que é muito bonito, dos que garantem a maioria parlamentar, enquanto sabe que a sua direita o encara como um mal menor, apesar dos engulhos que lhe tem causado.
Por isso, talvez alguém se inquietasse se o distrito marcasse posição alheando-se do processo eleitoral e aproveitasse a oportunidade para, de forma organizada, denunciar a iniquidade a que temos estado sujeitos.

Teófilo Vaz