Feios, porcos e burros

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Ter, 31/05/2016 - 10:07


Vivemos um início de semana, neste fim de Maio, em que os transmontanos encontraram uma razão para mostrar que são capazes de autêntica irritação, mas também de serenidade, que sempre nos caracterizou, mesmo quando somos objecto de provocações gratuitas, vindas dos milhentos Dâmasos Salcede deste mundo.
A figura criada por Eça de Queiroz continua a ser o paradigma do escroque oportunista, sempre à espera de se rebolar, grunhindo como um reco, nos espaços de nobreza que outros cultivam nos jardins das utopias.
À conta das “nets” ficámos, muitos de nós, a saber, agora, que há uns cinco anos, José Cid, uma figura do “show bizz” nacional, em prolongada queda de popularidade, teceu, com bacôco sorriso afivelado, considerações espúrias sobre os transmontanos, culpando-os pela música choca e impondo-lhes os epítetos de “feios, medonhos e desdentados”, avançando mesmo uma proposta radical: construir uma muralha à volta desta nossa terra, para que nada do que aqui há passe para o plaino litorâneo, cujo centro há-de ser Mogofores, o seu coito de todas as grandezas, luminária do passadiço para a definitiva Sodoma, apetece-nos dizer a nós.
Não nos misturemos simplesmente na gritaria das redes sociais. Pensemos. O episódio protagonizado por este senhor está, naturalmente, à sua medida. Por isso, não mereceria sequer a nossa atenção, não fosse a percepção, que se consolida, de que há neste país uma propensão para a parvoíce enfatuada, de autênticos coios de figurinhas que ilustram as revistas de papel couché e confundem a vida com as suas toscas concepções de beleza, ética e dignidade.
Ser engraçadinho aos setenta anos não é dote de que todos se possam vangloriar. Quando alguém se deixa enredar na festa do sadismo roncante e boçal, sem propósito que não seja a ofensa gratuita, nada melhor do que a nossa piedosa misericórdia, cumprindo o grande desígnio civilizacional de dar a mão aos néscios e pobres de espírito.
Para pôr a necessária pedra sobre esta estupidez, que fique dito o seguinte:
1 – Cid vive nas proximidades da terra dos leitões, famosos no prato. Convívio com a pocilga não lhe faltará, certamente;
2 – Pessoas feias e horrendas, como característica desta terra, são um erro de percepção inadmissível num pretenso artista. Talvez o senhor ande enganado, como acontecia à bruxa da Branca de Neve;
3 – Ainda por cima, o José estudou pouca geografia e gramática, pelo menos. A música pimba, medíocre e azeiteira, não é um produto transmontano. Pelo contrário, como todos sabemos, floresce de forma exuberante nas proximidades dos pântanos do litoral. Ele deve considerar que transmontanos são todos os que não se arrastam nos becos lisboetas, nos redondéis da Chamusca ou na sua gordurosa Bairrada. Depois, utilizar palavras que têm o sentido exactamente contrário do que quis dizer, como foi o caso da expressão “em detrimento”, demonstra que falar fino não é necessariamente falar com correcção e conhecimento da função das palavras. Daquela forma também falavam os papagaios, à porta das tascas, no tempo em que o país era mesmo a miséria de que ele emanou impante, confirmando que a ignorância é sempre ousada.
A ideia da muralha a fechar Trás-os-Montes é uma real chinesice, só integrável nas rábulas do Badaró que, como cómico, deixa a milhas este perdigão que perdeu a pena.
Malta transmontana, esqueçamos a tentativa de coice. De burros e mulas ainda vamos sabendo nós. Os dislates de Cid nem sequer merecem um pim, à maneira de Almada contra Dantas. Basta-lhes um pum.

Por Teófilo Vaz