Seg, 23/11/2020 - 20:20
Precisamos todos de coragem, cabeça fria, paciência, compreensão relativamente aos outros e capacidade de adaptação a estes tempos povoados de dúvidas, inconsistências, angústias, miséria que sempre marcou a condição humana, apesar dos presumidos que vão fingindo alegrias infindas, que culminam em desespero soluçante ou no vómito paradoxal diante da crueza da ameaça iminente, à flor da pele, a cada passo, em cada olhar, por cada suspiro.
Devíamos ter-nos preparado para o embate com o inimigo traiçoeiro, nunca baixando a guarda, mesmo quando as flores da Primavera e as brisas estivais nos tentaram a esquecer a ameaça e acalentaram a esperança de que não há mal que sempre dure, mesmo se quisermos confundir sempre com um tempo estafante para nós, mas poucochinho para os ritmos da natureza, que não nos têm em mais conta do que a uma qualquer borboleta, fantasticamente colorida, que também se resolve em estrume, cumprindo essa lei de que nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, num ciclo imutável, como perscrutou o velho Lavoisier.
Podíamos ter contado com instituições que inspirassem confiança, mais serenas do que precipitadas, mais claras do que artificiosas, com coragem para falar da dureza que nos esperava, em vez de contribuir para a displicência que nos trouxe à amargura sem horizonte.
É o que temos. Cá, como por esse mundo fora, o que nem sequer sustenta a pretensão de que quando o mal é de muitos comporta o seu quê de alívio.
As medidas a que o país foi sujeito, desde há duas semanas, resultam da evolução descontrolada da situação que vivemos desde Março, quando se esperava que durante oito meses se tivessem desenvolvido análises do fenómeno e estabelecido estratégias, suportadas no conhecimento possível, expressas em regras claras e coerentes, com fiscalização sistemática e apoiadas por logísticas funcionais, o que teria evitado o abismo em que nos sentimos a afundar.
Os efeitos que tendem a agravar a debilitada economia da região já se vão fazendo sentir, desde a produção de castanhas e outros frutos secos, da azeitona e da colocação do azeite, dos produtos de fumeiro que tinham montras importantes nas feiras de Inverno.
Entretanto, o turismo pode ser a maior vítima, quando se observavam dinâmicas de crescimento reconfortantes. A restauração pode sair muito depauperada deste ano de desgraça e a hotelaria com dimensão e qualidade para atrair eventos culturais e empresariais, que durante longas décadas não se instalara no território mas, desde a transição do século, conheceu notório crescimento, pode estar agora sujeita a dificuldades que porão em causa a sua permanência, no que conheceríamos retrocesso dramático, com efeitos difíceis de superar e impactos imprevisíveis no tecido empresarial e na capacidade de atrair novos investimentos.
As medidas governamentais não contribuem, por enquanto, para fazer medrar a confiança, fundamental para encarar o futuro possível no país, muito menos numa região como esta, que tem resistido ao descaso, à discriminação inqualificável, à moleza dos nossos representantes na capital, mas pode estar perante o desafio definitivo da sobrevivência.
Teófilo Vaz