Ter, 03/01/2017 - 09:45
As mudanças de ano, neste calendário do papa Gregório, são sempre marcadas por votos pios de prosperidade e felicidade, conceitos difusos que servem para que qualquer pobre de Cristo sinta um frémito fugaz de optimismo, para logo voltar à dolorosa via do absurdo, que Camus ou Kafka trouxeram, acutilante, à superfície do nosso quotidiano.
Fazemos, afinal, a festa por mais uns dias ofegantes, a fugir do fim inevitável, sem olhos sequer para as flores da próxima primavera, mergulhados no inverno perene que nos resseca paulatinamente.
Dir-se-á que sempre foi assim e que o mundo à vista já esteve bastante pior. Nunca fomos tantos à face da terra, nunca se viveu tão bem no que respeita à materialidade, nunca as vidas foram tão longas (se esquecermos os fantásticos tempos de Adão e Matusalém), nunca os prazeres do imediato foram tão distribuídos.
Mas, também, as ameaças de catástrofes nunca atingiram o grau que hoje lhes conhecemos, com a capacidade de destruição massiva à disposição de paranóicos que instilam o veneno das víboras, sempre dissimuladas e traiçoeiras.
A grande tragédia é que não se vê forma de mudar esta realidade, que resulta da boçalidade animalesca que todos os dias nos conspurca a vida nas nossas ruas, cidades e países. A liberdade tem vindo a degenerar em licença, com foros de predação, legitimada pelo império dos direitos e ausência total de deveres, fazendo destes tempos desilusão comparável à de Francisco Manuel Alves, o Abade de Baçal que, no primeiro dia de Janeiro de 1936, há 81 anos, lavrada numa carta ao seu amigo Abel Salazar: “... melhor será vós, os químicos, arranjardes um gás que esterilize as fêmeas, ou um explosivo que estilhace toda esta borundanga, porque não tem conserto e o mal é sem remédio”.
Vistas as coisas, só nos restará esperar por milagres, para que o mundo possa tomar caminho. Mas, um século depois das descidas de uma senhora a irradiar luz sobre uma azinheira, até os crédulos já demonstram cansaço.
Descendo desta geral tristeza à nossa particular agonia, o ano acabado de entrar promete ser de confirmação dos receios de que o futuro nos feche a porta na cara, apesar das ilusões que continuam a querer vender-nos.
Na verdade, não se vislumbram mudanças decisivas na condução da política nacional, que denotem reais preocupações com as populações dos territórios do interior, que todos os dias veem piorar a sua condição de humilhadas e ofendidas, remetidas a parcos cuidados paliativos, enquanto se anunciam mais quilómetros de metro na capital, a abarrotar de moeda, despejada por turistas em tropel, alimentando todos os caprichos em que a impante decadência é fértil.
Só mesmo um milagre reporia a justiça que nos tem sido sonegada. Mas, enquanto esperamos, consta que os abutres estão de volta ao nordeste transmontano, talvez para cumprirem o seu desígnio de limpar o terreno dos sinais que Thanatos insiste em deixar a esmo, para que não lhe percamos o rasto.
Por Teófilo Vaz