Ter, 18/06/2019 - 10:23
O ministro da Agricultura e Florestas aparece, com frequência, no espaço mediático, a anunciar medidas relativas à gestão da propriedade, apresentadas como a novíssima reforma agrária, para dar frutos nas próximas décadas.
Há muito tempo se reconhece que, nalgumas regiões do país, a propriedade rural se pulverizou em poucas gerações, a partir do meado do século XIX, inviabilizando explorações agrícolas capazes de penetração nos mercados. Por isso restou a subsistência miserável ou o simples abandono, que nos conduziu à situação que se vive nos territórios do interior.
Não caberá aqui a análise da evolução da propriedade. Basta-nos ter em conta que, durante séculos, a terra agricultável esteve nas mãos de grupos restritos, politicamente poderosos, que não demonstraram vocação para a produção de mercado, antes a encaravam como suporte da subsistência das comunidades que dominavam.
Na transição para a idade moderna (séculos XV/XVI), alguma burguesia, ligada ao comércio, dispôs-se a investir na produção, trazendo para a terra a perspectiva empresarial. O caso inglês foi exemplo de um novo modelo de agricultura nos grandes domínios, postos a produzir em função do comércio e das manufacturas, originando um emparcelamento, por vezes violento, que empurrou os camponeses para o êxodo rural e a proletarização.
No caso português as condições típicas da economia medieval mantiveram-se até muito tarde, com todas as consequências observáveis numa ruralidade esquálida, condenada a permanecer na subnutrição e na miséria. Extintos os morgadios, que garantiam a transmissão da propriedade indivisa ao longo de gerações, a fragmentação foi inevitável. Como o país não conheceu uma industrialização significativa, o retalhar da terra e a emigração marcaram os dois últimos séculos, com efeitos na inviabilidade das explorações agrícolas.
Naturalmente é preciso que sejam postas em prática medidas de promoção das exploração racional das potencialidades agrícolas e florestais do país. Mas isso não pode passar pelo confisco dos bens de largos milhares de cidadãos. Não é legítimo confundir os pequenos proprietários com os latifundiários absentistas por capricho ou irresponsabilidade.
As medidas anunciadas pelo ministro, nomeadamente o fim do registo de terrenos florestais por usucapião e o aumento do IMI para prédios não cultivados, vão traduzir-se na impossibilidade de lhes dar outro destino, nomeadamente a venda a eventuais interessados. Pelos vistos, vai ser o Estado a assenhorear-se deles ou serão vendidos, por valores irrisórios, a grandes empresas, que têm dado mostras de pouco se importarem com as características da paisagem e as vocações dos terrenos agrícolas e florestais, o que conduzirá à instalação de uma cobertura vegetal incaracterística, exótica, potencialmente perigosa.
O Estado devia garantir que o emparcelamento fosse um processo partilhado com as populações, respeitando os seus direitos, em vez de abrir o caminho ao confisco ostensivo, para desespero de cidadãos que já não têm força para resistir.
Teófilo Vaz