Ter, 11/08/2020 - 00:00
As terras de Bragança não deixaram créditos por mãos alheias, durante séculos, na alta roda nacional e internacional, especialmente no último meio milénio.
O ducado de Bragança foi criado em pleno século XV e tornou-se titular da coroa em 1640, elevando o nome da cidade a referência global durante quase três séculos, com direito a nome de rua em Londres e, quem diria, apadrinhando duas cidades brasileiras epónimas, Bragança Paulista e Bragança do Pará, além de outras referências de menor impacto como uma queda de água no rio Lucala, em Angola, designada do Duque de Bragança.
Alguns anos depois, o rei venturoso (D. Manuel I) criou o condado de Vimioso, que conheceu titulares afamados até ao século XIX, quando um cavalheiro da estirpe manteve amores tórridos com a famosa Severa, fadista e musa, numa Lisboa meio decadente, saudosa do império, mas rendida ao comodismo da protecção britânica frente a outros leões da verdadeira colonização, que Portugal nunca teve dentes nem garras para realizar.
Entretanto ouvimos falar do verdadeiro empório dos Távoras, com extensões em Mirandela e Mogadouro, da marca manuelina em Freixo de Espada à Cinta, dos condes de Vinhais ou dos viscondes das Arcas. Pelos vistos, não faltou gente com peso e influência nas proximidades do poder real, que ostentava títulos de aldeias, vilas e cidades destas terras do nordeste.
Ainda houve esforços importantes no tempo do Marquês de Pombal, no século XVIII, no que respeita à aposta na reindustrialização da seda, que ficaram pelo caminho, conduzindo-nos à decrepitude que se arrastou pelo século de oitocentos, se agravou em novecentos e estará agora a chegar aos dias do fim.
Vimioso, que celebrou o feriado municipal, foi objecto de tratamento da sua realidade demográfica pela Pordata, como tem vindo a acontecer com diversos municípios do país. A constatação, esperável, é que não há sinais de inversão da tendência para a desertificação humana, apesar dos paliativos que, nas últimas décadas, têm sido levados à prática.
Olhar para este concelho do nordeste transmontano é uma experiência lúgrube, porque, no fim de contas, estamos todos, ou quase, a ver-nos ao espelho, por mais que queiramos fantasiar sobre o futuro, iludidos por mestres de cerimónias vestidos de palhaços ricos, num circo que está de passagem.
A maioria dos municípios do distrito estão condenados à mesma sorte brutal. As excepções serão poucas, mas constituem uma última esperança de sobrevida para um território que merecia outra história.
Daqui para a frente já não basta a lamentação resignada, é preciso que a população e os líderes regionais arrisquem a epopeia contra a discriminação e a injustiça a que fomos sujeitos séculos fora, mesmo se alguns, em nosso nome, se resfolegaram nas manjedouras e masseiras que Lisboa prodigalizou aos arrivistas, prontos a olhar de soslaio para as origens, em vez de optar pela honra e pela dignidade.
Camilo, o prolífico escritor, sentiu-lhes o cheiro quando concebeu a personagem do morgado de Caçarelhos, hoje aldeia do concelho de Vimioso, então de terras de Miranda. Terá sido o primeiro de múltiplos tartufos que, depois dos titulares de ducados e condados, preferiram rebolar-se no novo riquismo em vez de levantar a voz contra a áurea mediocridade que tomou conta do país há quinhentos anos.