Ter, 02/04/2019 - 09:51
Há quarenta anos andávamos por cá a festejar a chegada da electricidade à maior parte dos aglomerados rurais, que não conheciam as comodidades que a energia proporcionara por esse mundo no que já se vivera do séc. XX.
Não nos faltava só a electricidade. Também a água ao domicílio era sonho por realizar e os telefones caseiros generalizados só chegariam bem entrada a década de 90, a raiar o fim do século. Sem electricidade também não houvera televisão, nem electrodomésticos, com o seu papel na vida quotidiana, para garantir a conservação de alimentos e o alívio nas tarefas do dia-a-dia.
Tínhamos chegado tarde, mas mais valia tarde do que nunca. A partir de então os dias penosos haviam de transformar-se em passos firmes na construção de um futuro de dignidade, porque se estava a fazer o caminho da democracia, garantia da liberdade, da equidade e da justiça para todos os cidadãos, logo para todos os territórios.
Uma constituição, novinha em folha, estabelecia isso mesmo, identificando instrumentos para dar forma ao país novo. Um deles era a regionalização, para que decisões importantes da vida dos territórios não fossem condicionadas por conveniências da política imediatista, do eleitoralismo sem prospectiva, da inércia instalada, que ameaçavam continuar a cavar diferenças entre as diversas regiões.
Apesar do texto constitucional, só vinte e dois anos depois foi promovido um referendo. O resultado foi a recusa, na sequência de um enredamento nos modelos propostos pelos diversos partidos, postergando a questão para o baú da farraparia inútil.
Entretanto, avançou-se para uma definição de regiões, que foi consolidando processos administrativos, capacidade de decisão sobre a aplicação de fundos comunitários, promoção de investimentos e organização de serviços, que redundaram em maior prejuízo para os territórios já debilitados quando o regime democrático fechou a porta do Estado Novo.
Podia ter sido de outra forma, se os poderes centrais, entretanto constituídos, não tivessem iludido a obrigação de promover o desenvolvimento equilibrado, que passava pela discriminação positiva dos que estavam a ficar para trás. Mas, não foi.
Pelo contrário, a gestão das prioridades e a mobilização dos recursos tem vindo a acentuar disparidades regionais, atirando mais de dois terços do território para o deserto demográfico, provavelmente irreversível. Acresce que muitos dos recursos gastos só foram atribuídos ao país porque havia territórios depauperados, que requeriam intervenções rápidas e capazes de reverter a tragédia eminente.
Aqui chegados, mais vinte anos passados, a premência da mudança de rumo parece ter sido sentida por alguns autarcas do norte, que tomaram a iniciativa de lançar, em Bragança, um movimento para trazer de novo a questão ao espaço público, com a perspectiva de promover novo referendo na próxima legislatura.
Tendo em conta, os resultados da ausência de regionalização, nada teremos a perder. Outra coisa é alimentar esperanças de que o resultado possa ser a janela para outros horizontes. Talvez só nos reste mesmo ver passar o futuro.
Teófilo Vaz