Até se nos gela a alma

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Ter, 22/11/2016 - 10:14


Foram décadas a estiolar num país de misérias, reais e dolorosas, quando se sentia que havia tempo, ainda, para tentarmos erguer-nos de um destino que não procurámos, mesmo se a lassidão nos comeu as raízes, derramando a seiva sobre a inutilidade.
Para nosso mal, não seguimos o exemplo dos castanheiros, que teimam em resistir, firmes, até contra pragas insidiosas, impondo a sua silhueta vetusta, mas nobre, décadas e séculos a reverdecer, desafiando todos os agouros que lhes piam seres alados da face obscura da vida.
Se nos dermos o prazer de percorrer estas terras, só para sentir o alento de cada dia, facilmente nos envolvemos numa doce ilusão que nos parece reconfortar. Finalmente, as nossas aldeias têm ruas calcetadas, a água chega a todos os cantos, não falta luz, os nomes de cada canelho estão, cerimoniosamente, registados em placas. Cada freguesia ostenta o seu brasão, retrato simbólico da caminhada de gerações. Algumas desapareceram logo que viram aprovado o brasão. Efémera conquista.
Mas tudo parece agora em boa ordem. Só que nos damos conta que as placas toponímicas tocam os olhos de quase ninguém e as casas fechadas já não esperam sequer o chiar das dobradiças.
De vez em quando passam féretros, gente cabisbaixa ou a olhar para o nada, numa rotina de tempos do fim. Depois, volta às ruas o vento cortante da solidão, o gelo que seca para sempre, ou a torrente que levará as memórias para o mar de todos os esquecimentos. Agora, que tínhamos quase tudo para renascer, até já a alma se nos gelou.
Entretanto, reuniram-se, em Miranda do Douro, responsáveis portugueses e espanhóis, mais uma vez, para falar de cooperação transfronteiriça, com presença de um ministro desta república. As vagas intenções não faltaram, mas as decisões foram nenhumas. De sentenças, proclamações, dossiers, promessas de novos “el dorados” estamos servidos.
Mas, ainda há quem fale com clareza, como o alcalde de Puebla de Sanabria, senador do reino vizinho, que rompeu com a postura solícita, atenta, veneradora e obrigada dos restantes participantes de um lado e do outro da raia, dizendo o que não pode calar-se nunca mais.
Enquanto houver quem tenha a coragem da frontalidade, em nome de interesses vitais para populações portuguesas e espanholas, que foram simetricamente prejudicadas pelos poderes centrais, ainda se poderá evitar a tragédia.
É uma verdadeira vergonha que não se perspective a conclusão da auto-estrada entre Zamora e Quintanilha e do troço de ligação do IP2 a Puebla de Sanabria, desbaratando oportunidades, irrepetíveis nos próximos séculos.
Haja coragem e verticalidade, senhores.

Por Teófilo Vaz