Ano novo num mundo velho

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Seg, 31/12/2018 - 11:28


Acordar a 1 de Janeiro traz sempre um não sei quê de fantasia, mesmo quando chove ou o nevoeiro nos limita o horizonte. Mas, se o sol brilhar no céu azul, depois de uma noite límpida com o tal luar que não tem parceiro, até se sente a alma a vibrar como se nada fosse impossível.

Renova-se, a cada ano, esperança de um futuro que não seja razão para nostalgias dos tempos que foram, embora todos saibamos que o que vivemos e viveremos é a continuidade de um percurso que fizemos, à medida da nossa coragem e determinação, ou da simples resignação com o cumprimento do calendário, até que suave milagre nos liberte dos fardo que continuamos a considerar ser a passagem por este mundo, uma renovada tragédia, apesar de todas as lágrimas choradas ao longo dos milénios.

Ouviremos hoje, da varanda da Praça de S. Pedro, novo apelo dolorido de Francisco à paz no mundo, à justiça e ao amor ao próximo, como já ouvimos a Bento XVI, a João Paulo II, a João Paulo I, a Paulo VI e a João XXIII, sessenta anos a fio a pregar aos peixes, como o Santo António de há oito séculos, glosado quatro séculos depois por Vieira, outro António, vertical e corajoso, mas sem dotes demiúrgicos para recriar a humanidade.

Assistiremos também, perplexos ainda, à tomada de posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, esse grande sonho do nosso destino histórico, que se revela um pesadelo neste princípio do século XXI, com consequências imprevisíveis no futuro, que pode ser um mergulho inesperado na mais sórdida condição de que tivemos notícia em tempos passados. Será legítimo concluir que em vez da festa deveríamos dedicar-nos a pensar sobre as razões do insucesso da humanidade, obra que atribuímos aos deuses, mas que é só o resultado das nossas acções e omissões.

O Brasil é mais um exemplo, entre dezenas, de países onde o modelo de representação democrática revelou fragilidades, pressentidas mas que desejávamos improváveis, numa história que não pára de nos surpreender, porque nos deixamos enredar nas tramas hedonismo imediatista, limitando a compreensão do mundo à realização dos caprichos de cada um.

O ano que começa pode revelar-se tormentoso, especialmente porque o centro de poder que ainda é a América imperial vive uma situação que nos traz à memória o tempo de vésperas que foi o século IV na velha Roma, com os cidadãos a sobrevalorizarem a própria prosperidade e comodidade, ignorando a realidade envolvente, tornando-se mesquinhos e timoratos, deleitando-se com o circo e o arredondamento do ventre, até que foi tudo raso, capital do império incluída.

Seguiram-se dez séculos penosos para as gerações europeias e o fim dos tempos chegou a ser encarado como alívio redentor, o que deixou marcas indeléveis na nossa relação com a vida. Conhecendo o que já se viveu, fica a expectativa de que, num qualquer primeiro dia de Janeiro, no futuro, ainda possamos ouvir palavras firmes de verdadeiros líderes, que suportem uma mudança de rumo, a caminho da dignidade, da solidariedade, da verdade e da honra que são os esteios da autêntica liberdade.