Acto penitencial

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Ter, 11/04/2017 - 09:54


Para os católicos a semana da paixão é o culminar do tempo de penitência, aparentemente de renovação, para uma festa que esperam se perpetue até às portas do gozo eterno.

Infelizmente para eles e para todos os outros, os ritmos do mundo não têm em conta as boas intenções, de que, aliás, estará o inferno cheio. Duas mil páscoas ainda não trouxeram a santa serenidade às gerações que passam pelo mundo, mantendo-nos sempre no fio da navalha, cruel forma de acesso à bem-aventurança.

Do que vemos, ouvimos e lemos não encontramos razão para esperanças renovadas. O sangue continua a correr, fazendo dos nossos dias infinita tragédia.

Não nos vale a pena proclamarmos, trementes, que os fundamentalistas islâmicos não virão impor-nos o abandono de hábitos, convicções, dignidade e liberdade, se continuarmos a assistir imóveis à proliferação de actos selvaticamente refinados, como aconteceu nos últimos dias em S. Petersburgo, em Estocolmo e nas comunidades cristãs do Egipto que, à semelhança da Síria e do Iraque, sofrem de forma inominável a arrogância das bestas, num sacrifício sem horizonte de redenção.

Mas também entre nós, que nos proclamamos civilizados, herdeiros de valores sólidos, vamos permitindo que a ignomínia continue a irromper sem controlo nos dias das nossas vidas.

De facto, somos todos feitos da mesma massa e, por isso, se não formos determinados na construção de um futuro de dignidade nas nossas sociedades, poderemos, lastimosos, vir a presenciar actos igualmente brutais e miseráveis.

Quando assistimos a ataques a árbitros à paulada ou à joelhada, fora e dentro de campos de futebol, não deveríamos ficar impávidos e serenos. E se de Espanha vêm notícias de hordas de lusos vândalos imberbes, que escaqueiram mobiliário de hotéis, em viagens de finalistas, a postura não deveria ser de desculpabilização sonsa dos meninos, mas de análise séria do que tem sido o resultado do funcionamento do sistema educativo, que parece prepará-los para o videirismo e a rosqueirice, mais do que para responsabilidade cívica.

Cabe-nos reconhecer o erro para que possamos enveredar por outros caminhos. Perante a crescente indisciplina e mesmo violência em muitas escolas, vêm alguns iluminados proclamar a compreensão, a negociação, a tolerância sem limites, induzindo a licença e a consagração de todos os tiques de tiranetes caprichosos, enquanto papás, que muito valorizam o seu direito à despreocupação, vão descarregando quotidianamente os filhos no armazém, sempre dispostos a exigir que ali lhes seja garantido o que eles lhes negam: acompanhamento, partilha, verdadeiro carinho, que não se confunde com objectos da moda, comida que os torna obesos, maquinetas que lhes abrem as portas da alienação folgazona.

Acresce lembrar que as viagens a Espanha entraram na moda há cerca de uma década. Nas eleições para as direcções das associações de estudantes, muitas vezes o que tem estado em causa é a agência de viagens que faz melhores preços, reduzindo as opções “cívicas” dos jovens a essa decisão a propósito da festarola. As campanhas são ruidosas e caras, mas alguém esfrega as mãos de contente com os lucros, mesmo que isso comporte tragédias e a humilhação de um país inteiro.

 

Por Teófilo Vaz