Os nossos Reis

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Ter, 10/01/2017 - 10:16


Olá familiazinha! Decorridos que estão dez dias do ano, recebemos no dia 2 de Janeiro a triste notícia do falecimento do Tio Abelzinho Ferrador, de Valongo dos Azeites (S. João da Pesqueira), que embora ultimamente não nos ouvisse, teve a preocupação de pedir a alguém que nos informasse da sua partida, porque sabia que nós somos a rádio que festeja a vida mas também a que chora a morte. Nesse dia, as orações da manhã foram oferecidas pela sua alma, que em paz descanse e os nossos sentimentos à família enlutada.
Na universidade da vida tivemos dez novas matrículas no que vai de ano, mas diariamente incentivamos a participação de todos aqueles que sabemos que nos ouvem mas que persistem em pertencer ao grupo dos não-falantes, porque ainda há muita gente com talento que tem muito para dar à nossa família.

No passado sábado, pelo segundo ano consecutivo, estivemos a fazer o nosso programa, das 6 às 10 da manhã, em directo de Salsas, para promovermos a Festa dos Reis, com grande tradição nesta localidade e que este ano teve a participação de vários grupos da região, nomeadamente os Caretos de Salsas (a ‘jogar’ em casa), Grijó de Parada, Parada, Baçal, Varge, Pinela, Valverde, Gaiteiros da Lombada, Grupo de Bombos das Arcas e os Caretos de Lazarim, do concelho de Lamego. Também da vizinha Espanha vieram La Vaquilla e Cencerros de Palacios del Pan, Los Visparros de Vigo e de San Martin de Castañeda. Às 18 horas queimou-se a figura do ano velho. À noite actuou o grupo Concertinas Brigantinas e, no Domingo, o Grupo de Cantares de “Antanho”. Depois de termos vivido a quadra natalícia, é agora tempo de cantar os Reis. Antigamente só se cantavam do dia de Natal até ao dia de Reis, mas actualmente cantam-se durante todo o mês de Janeiro, correspondendo à designação de “Janeiras”. Há algumas localidades em que é tradição cantarem-se os Reis até ao dia de S. Sebastião (20 de Janeiro).
Fui criado no centro da cidade de Bragança e, nesse tempo, o cantar dos Reis era espontâneo. Juntávamo-nos meia dúzia de crianças, sem ter combinado nada antes e começávamos pelas casas de cada um, que aí estava certo, passando depois para as outras casas em geral, cantando versos como estes para levar as boas festas a todas as casas:

“Ainda agora aqui cheguei,
Mal pus o pé nesta escada
Logo o meu coração disse:
Aqui mora gente honrada.”

Depois fazíamos versos dedicados individualmente aos membros da família moradora de cada casa como por exemplo:

“Esta vai por despedida,
Por cima de uma azinheira,
Viva lá a tia…
Que é uma grande cozinheira.”

Se houvesse crianças pequenas em algumas das casas, dedicávamos-lhe este verso:

“Esta vai por despedida,
Por cima do meu chapéu,
Viva lá o menino(a)…
Que é uma estrela do céu.”

Ao dono da casa era dedicada a seguinte quadra:

“Esta vai por despedida,
Por cima da salsa crua
Viva lá o senhor…
Que ilumina toda a rua.”

Depois esperávamos que nos abrissem a porta para nos darem os Reis, que podiam ser rebuçados, chocolates, bolachas e até algumas moedas de dois e quinhentos e de cinco escudos. Quando alguém nos dava uma notinha, coisa rara, cantávamos mais umas quadras nessa casa, para agradecer a generosidade e não esquecíamos de voltar a tal casa no ano seguinte…
O contrário também acontecia e muitas vezes não nos abriam a porta. Neste caso cantávamos a seguinte quadra:

“Aqui caga o boi,
Aqui caga a vaca,
Se não nos dão os Reis
Fazemos já aqui caca.”

Quando a porta se abria não estávamos à espera de mais nada e debandávamos em grande correria pela rua fora, sem sequer olhar para trás.
Quando a hora já ia adiantada, dividíamos a dádiva por todos os participantes, tendo em conta que aqueles que tocavam um instrumento musical recebiam mais que os outros, com a promessa de no dia seguinte à noite, continuarmos a ronda pelas casas que faltavam.
Actualmente já não se usa nada disto. Agora os Reis são mais artísticos, porque há desde grupos folclóricos a bandas de música e tunas académicas que vão cantar a figuras públicas, entidades e algumas casas particulares. Por sua vez, também há espectáculos e concursos de cantadores de Reis organizados por associações culturais, juntas de freguesia e câmaras municipais.

Os nossos Reis