A Região Norte, o Plano de Recuperação e o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027

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Na cimeira Europeia que decorreu de 17 a 21 de julho foram aprovadas as propostas do Quadro Financeiro Plurianual (QFP 2021-2027) e do Plano de Recuperação da economia da União Europeia (FR), propostas que somam o valor de 1,82 biliões de euros, repartido em 1,074 biliões de euros para o QFP 2021- 2027 e 750 mil milhões de euros para o FR, valor que reforça o orçamento global da União Europeia, como resposta excecional conjunta dos Estados-Membros, em circunstâncias extremas. A verba do QFP é atribuída sob a forma de subvenção ao investimento, com taxas de cofinanciamento variáveis, conforme a categoria de regiões nível NUT II e a sua duração em termos de execução da despesa vai até 31 de dezembro de 2029. A verba do FR inclui a parcela de 360 mil milhões, atribuída sob a forma de empréstimo por parte da Comissão Europeia, em nome da União, e a parcela de 390 mil milhões de euros sob a forma de subvenções/ fundo perdido, com taxa de cofinanciamento de 100%, sem exigência de contrapartida nacional. Os investimentos do FR terão como datas limite, para aprovação do financiamento dos projetos, 31 de dezembro de 2023 e para pagamentos 31 de dezembro de 2026. As propostas foram enviadas para avaliação do Parlamento Europeu e aprovação final e regulamentação subsequente. A decisão inclui a exigência de que no conjunto dos fundos, 30% contribuam para os investimentos da meta climática/objetivos de neutralidade carbónica em 2050. Em termos estratégicos, o Plano de Recuperação e Resiliência está alinhado com o Pacto Ecológico Europeu/Green Deal, a transição digital e recomendações especificas feitas a cada Estado-Membro no âmbito do Semestre Europeu. Também o Orçamento Plurianual reforça a ligação entre o Semestre Europeu e a Política de Coesão que assenta em cinco prioridades de investimento: Uma Europa mais inteligente; mais verde, mais conectada; mais social; mais próxima dos cidadãos. Até ao final da década, Portugal no conjunto dos dois programas vai poder aceder a uma subvenção global de 45,1 mil milhões de euros, a que acrescem 12,8 mil milhões por executar do atual Quadro Financeiro (PT 2020), o que perfaz a quantia de 57,9 mil milhões de euros, valor que não tem paralelo pós 25 de abril. Podem ainda acrescer 10,8 mil milhões de euros sob a forma de empréstimo, a pagar até final de 2058. Investir 57,9 mil milhões de euros no apoio à recuperação social e económica e ao investimento na economia do futuro, é um desafio gigantesco, sem paralelo na história recente. Fazê-lo de forma inteligente num intervalo de tempo curto, exige visão e estratégia para o país e para as regiões. Exige decidir com atitude e inteligência as prioridades políticas de investimento, executar reformas estruturais como referiu recentemente a Comissária Europeia Elisa Ferreira. A visão Estratégica para o plano de recuperação Económica de Portugal 2020-2030, de Costa Silva, é uma base de trabalho importante no sentido de ajudar a um entendimento sobre prioridades do país para a transição do modelo económico para uma economia competitiva, verde e inclusiva, no sentido de retirar Portugal da cauda da Europa. É um documento que exige uma análise mais detalhada de alguns problemas como o das assimetrias, da coesão e competitividade dos territórios do Interior. O país nas últimas décadas evoluiu muito, fruto do investimento público apoiado por fundos da União europeia, evoluiu bastante menos na economia, melhor dito, em termos comparativos regrediu, por isso se compreende a prioridade de utilização da maioria dos recursos na inovação e competitividade da economia num contexto de rápida transição à escala global, para não ficarmos ainda mais para trás. Mas, no investimento público há ainda desafios importantes, nos grandes investimentos estruturantes de apoio à economia, mas também em áreas da coesão social e territorial, designadamente na formação e qualificação dos recursos humanos, no sistema de saúde e no sistema social (duas das áreas prioritárias para defesa da vida e dignidade humana), na execução de infraestruturas sub-regionais de apoio à coesão competitividade territorial. Há problemas específicos no Interior despovoado, envelhecido e em desertificação que exigem respostas avançadas, de rotura em alguns dos instrumentos da política pública. Isto para dizer que, ao nível da política regional e das políticas sub-regionais, a Região Norte não pode abdicar de conceber e executar uma estratégia forte de mudança. Tem que ponderar os resultados alcançados nas últimas décadas, numa perspetiva e com um desígnio muito claro relativamente ao futuro. No quadro das políticas europeias, com apoio excecional da União Europeia, assumir crescer acima da média nacional, utilizando o seu elevado potencial de recursos económicos e de conhecimento humano, assegurando sustentabilidade, eficiência e equidade no uso dos recursos, garantindo coesão e competitividade à Região no seu todo e assegurar que após a aplicação da “bazuca financeira” de 20 a 25 mil milhões de euros, valor que a Região Norte deve reivindicar, e garantir que em 2030 deixará de ser a mais pobre de Portugal. A Região não poderá abdicar de dar um passo certo nas escolhas próximas para a equipa da presidência da CCDR-N, de exigir visão e compromisso com metas globais e setoriais, de fortalecer a cooperação estratégica através das suas instituições mais relevantes, entender-se sobre a estratégia da região, tendo por base o melhor que tem sido alcançado em diversos domínios e que tem sido muito, acordar sobre as melhorias a introduzir, definindo prioridades e novas orientações que possam contribuir para a mudança, garantindo uma efetiva e positiva cooperação na construção e execução de uma Agenda Estratégica Regional capaz de mudar a Região para melhor. Ao nível da NUT II e das NUT III é essencial aprofundar a visão sobre o caminho a percorrer, não querer fazer tudo de novo, trabalhar sobre o que tem sido feito e resultados obtidos, mobilizar as melhores competências, não deixando ninguém para trás, enfrentar de mãos dadas os próximos desafios. A título de contributo refiro cinco temas: 1 – Competitividade e Internacionalização da Economia – aumentar as exportações na gama dos bens e serviços de média a alta tecnologia, visto Portugal ser um país moderadamente inovador no contexto europeu; 2 – Prioridade para as agendas: da demografia e do despovoamento do Interior; das alterações climáticas e seu impacto no território rural e costeiro; da inovação digital, das cidades e territórios inteligentes; da energia e da transição energética; da sustentabilidade e da economia circular; 3 – Elaborar um Plano Regional de Investimentos, que considere os investimentos previstos no Plano Nacional de Investimentos e os investimentos regionais complementares em infraestruturas essenciais á competitividade da economia e á coesão regional, em áreas como as ligações fronteiriças e entre concelhos ainda em falta, a rede ferroviária e aeroportuária e as áreas prioritárias da saúde, do ensino e formação profissional e dos equipamentos sociais; 4 – O ordenamento e modernização da atividade agrícola e florestal acompanhado de um plano de investimentos, que inclua entre outros investimentos, o cadastro e o emparcelamento, muitas pequenas barragens e modernos regadios, o investimento no setor cooperativo e associativo. As explorações familiares são a realidade predominante nesta região de minifúndio, asseguram o povoamento do território, a biodiversidade e qualidade ambiental, contribuem para a economia, para o combate às alterações climáticas. Portugal com o meio rural despovoado e abandonado não será o mesmo, será mais pobre e com futuro mais incerto. 5 – Reforçar a política de Cooperação externa – em particular com a Galiza e Castela e Leão, concretizada de forma estruturada, mais estratégica e dirigida a áreas temáticas específicas. Aplicar até 2030 um pacote financeiro tão significativo e tão necessário, exige muita visão, prioridades estratégicas bem definidas, planeamento e acompanhamento feito de forma inteligente, competências fortes na gestão, o reforço de capacidades operacionais de execução dos investimentos, muito escrutínio público, maior confiança nos beneficiários públicos e privados e naturalmente o combate exemplar à fraude, considerando o avultado volume de recursos financeiros públicos em causa e tudo o que tem contribuído para empobrecer o país como as parcerias público-privadas e no sistema financeiro. Cada Sub-Região NUT III deveria poder contratualizar um envelope financeiro indicativo, incluindo verbas do QFP 2021- 2027 e do Fundo Recuperação, para execução de projetos prioritários e estruturantes do desenvolvimento, correspondentes às especificidades de cada uma das sub-regiões, capazes de fazer a mudança apoiando, a economia, o conhecimento, a qualificação dos recursos humanos, os serviços de proximidade, com metas bem definidas, alinhadas pelas prioridades regionais e sub- -regionais. Dou o exemplo de Trás-os- -Montes em que, para além das políticas correntes de subvenção e da necessária discriminação positiva no âmbito das ajudas da União Europeia, das medidas políticas especificas de combate à interioridade que deveriam ser decididas, é necessário, no peENSAIO ríodo excecional de investimento que se aproxima, assegurar a concretização de investimentos essenciais à coesão e competitividade como: i) – no âmbito dos transportes e mobilidade, a finalização de ligações fronteiriças (o IP2 e o IC5) para desencravar o Nordeste Transmontano na ligação à Europa; o IC 26, para internamente desencravar concelhos no Douro Sul; a eletrificação e expansão da rede ferroviária para o Interior Norte e ligação à rede espanhola; investimentos na rede aeroportuária regional, em Bragança e Vila Real, abrindo novas portas externas à economia, designadamente através do turismo; melhorar ligações essenciais entre concelhos como as de Bragança a Vinhais e a Vimioso ii) – No ordenamento florestal e agrícola, mobilizar terrenos com aptidão agrícola e florestal, através de um plano de investimentos para o emparcelamento e construção de muitas pequenas barragens e regadios eficazmente estruturados apoiando a viabilidade e sustentabilidade das pequenas explorações familiares e das estruturas associativas; dispor de um plano de apoio a uma estratégia de conversão sistemática da produção agrícola de Trás-os-Montes para a agricultura biológica envolvendo os produtos agrícolas de referência. iii) – É prioritário reforçar o sistema público de saúde, nomeadamente a ULSN com investimento que garanta a requalificação tecnológica e funcional do hospital e a construção de um edifico adequado para o internamento, a diálise e a saúde mental. iv) – no Ensino Superior, reforçar a capacidade e sustentabilidade dos Centros de Investigação da UTAD e do IPB, construir residências para alunos, construir novas instalações para a Escola Superior de Saúde do IPB (com uma nova valência de medicina); na formação profissional requalificar os Centros de Formação públicos para uma formação compatível com as exigências do mercado laboral em forte mudança. Referi de forma limitada em termos territoriais, investimentos necessários, que representam muito pouco face à dimensão da “Bazuca” para o investimento a concretizar no país, por isso, se em 2030 os investimentos referidos não tiverem sido concretizados, será caso para, com fundamento afirmar, que a voz política e reivindicativa de Trás-os- -Montes ficou ainda mais reduzida do que já é, as desigualdades ter-se-ão agravado e poder central esquecido ainda mais Trás- -os-Montes.

Jorge Nunes