Pedagogia

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Tema recorrente do nosso tempo, a corrupção é velha como o mundo e transversal a todas as sociedades. Tanto o velho como o novo testamento se lhe referem já inúmeras vezes como existindo em potência em todos nós (“Já pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que seja justo…” (Miqueias 7:2,3)). Ela não é, por conseguinte, exclusiva da classe política, a quem o termo habitualmente se aplica e cujos membros, muito antes de se abalançarem à coisa pública, se alimentam em ambientes mentais, que são os nossos, onde a tendência para a dissimulação e o logro fazem parte da normalidade.

Por isso o detestável na maioria não é serem o que são, se pensarmos não ser fácil, para ninguém que possua alguma capacidade de autoanálise, atirar a primeira pedra. Já não choca muito vê-los a produzir esforços procurando convencer-nos (e convencer-se?) de que seguem convictamente ideologias e defendem modelos de sociedade, sabendo nós que a grande causa da vida deles são os respetivos saldos bancários. É mesmo possível sentir alguma piedade ao vê-los, em discursos inflamados de rentrée para excitar os prosélitos, alardeando espírito de missão, representar dramas no meio dos quais se atiram a opositores imaginários com frases-slogan como “eu gosto é de malhar na direita!” ou “quem xe mete cu pêéxe, leba!”.

Porque no fundo nada disto é estranho às humanas debilidades. Maior preocupação é senti-los boçalmente ignorantes de algo a que podemos chamar o problema pedagógico. É sabido que as condutas das elites, quer sejam religiosas, governativas, económicas, intelectuais, artísticas, desportivas, são modelos éticos para a sociedade. Isto é, influem (e muito) nas mentes das pessoas comuns, que tendem a imitar os exemplos vindos de cima, motivo pelo qual as suas responsabilidades são bem maiores do que as do resto da população. Ora os exemplos que a esta chegam da ação política em geral são com muita frequência lamentáveis, se tivermos em conta que nela reina toda a sorte de jeitinhos, conivências, tachinhos, desenrascanços, arranjinhos, cunhas, justificados o mais das vezes como lealdades, solidariedades, coisas de família, mas que não deixam de ser formas veniais de corrupção. Os comentadores, focados apenas nas suas consequências políticas, jurídicas ou mesmo económicas omitem o significado educativo do fenómeno, talvez por ser menos visível. Mas não é por isso que ele deixa de existir e causar danos mais onerosos que as manigâncias propriamente ditas, agravadas no caso da corrupção de maior vulto, onde pontificam o nepotismo, o compadrio, o tráfico, a negociata, o esquema.

Perante a evidência de uma e outra, os vulgares cidadãos podem decidir-se por várias atitudes: encolher os ombros e aceitá-las como uma fatalidade da vida tal como a existência de varejeiras; resmungar acidamente pelas esquinas e mesas dos cafés garantindo que são todos a mesma merda (o meu caso); de quatro em quatro anos, escrever nos boletins de voto todos os vitupérios de que se lembrarem (também, mas só uma vez). Mas acontece ainda a quem anda pelas ruas ouvir de muitos outros, mesmo que não desprezem nenhuma das anteriores formas de resistência, franquezas e fraquezas do seguinte teor: “não há mal nenhum em contornar as leis, eles também se fartam de o fazer; as regras são para cumprir se, e quando calhar; que se lixem os regulamentos, ou há moralidade ou comem todos; o relaxamento dos valores não impede o sol de nascer amanhã; tanto dá cumprir como não, ganha-se o mesmo; o mundo é dos guitchos e o que interessa é um gajo safar-se”. Dito de outro modo, a tese de a corrupção desculpar comportamentos desviantes, animar a fraude, favorecer a delinquência, encorajar a criminalidade não me parece assim muito ousada.

De um lado, como educadores, o nosso trabalho é em grande parte tentar manter longe das mentes em formação a mentalidade trapaceira, incutindo nelas os grandes valores culturais e morais. Acontece que, por muito esforço que façamos, o que mais pesa na sua (de)formação continuam a ser esses modelos, uma desgraça em termos formativos, portanto. Travamos uma guerra contra inimigos que surripiam às pazadas, num momento, aquilo que nós com grande sacrifício e diligência procuramos juntar às migalhas durante uma vida. E diga-se que estamos a perdê-la.

 

Eduardo Pires