Parece que...

PUB.

Ouvir Bagão Félix dizer que o orçamento de 2019 não é eleitoralista soa a contranatura. Dada a reconhecida autoridade que lhe assiste, a família política a que pertence e a conjuntura nacional na qual são geradas as grandes opções do plano, eu, enquanto cidadão comum, pouco dado a contas e pouco dado a dogmas, devia abster-me de qualquer comentário. No entanto, esta “estranha tendência” de pensar nas coisas e de problematizar o que, por princípio, se aceita, não me larga desde a juventude. De facto, para além do gosto de ser livre, esta forma de estar nada mais me trouxe, sendo que por nada a trocaria. Honra, por isso, aos meus mestres que nunca me aprisionaram e me permitiram conservar esta essência.

Olhando para o orçamento, prevê-se um aumento generalizado das pensões que se situará entre os seis e os dez euros, para além do aumento regular o que irá abranger 5,1 milhões de pensionistas. A estas medidas associa-se um novo regime de reformas antecipadas por flexibilização, já reclamado há algum tempo, seja pela questão da equidade e justiça como defendem os partidos de esquerda, seja pela necessidade de renovação dos quadros como referem os da direita. O reforço da sustentabilidade da Segurança Social também é apontado como um desígnio para o próximo ano, diversificando as fontes de financiamento, sendo de destacar a consignação das receitas do IRC em um ponto percentual.

Numa outra área, o OE aponta para a redução de custos no financiamento das empresas e do próprio estado, reforçando o crescimento económico e a convergência com a zona euro, estando previstos incentivos à capitalização e ao reinvestimento dos lucros.

O aumento do abono de família e a gratuidade dos manuais, até ao décimo segundo ano, inscrevem-se nessa linha de um orçamento eleitoralista sem margem para dúvidas, pois não se pode descurar o peso que as despesas com a educação têm no bolso dos portugueses. Esta, a par de outras medidas, sobretudo a que enquadra o mínimo de existência permitindo que os salários até seiscentos e cinquenta e quatro euros mensais não paguem IRS, serão benefícios a considerar em ano de eleições e quando se sabe que salários baixos é o denominador comum no mercado de trabalho. Se a factura da luz baixar 5% - algo que depende do que o regulador decidir – o ano de 2019 augura algo de bom para as famílias portuguesas, parecendo que uma página irá virar-se de vez. Se a isto se acrescentar que o trabalho suplementar deixa de se juntar ao salário para o cálculo da retenção na fonte, pode dizer-se que, efetivamente, vai haver um aumento real de dinheiro no bolso dos portugueses.

Independentemente de com quem se negociou, este orçamento parece que também vai agradar à função pública com aumentos que podem variar entre os cinco e os trinta e cinco euros, para além do descongelamento das carreiras.

No sector da saúde, também irá haver um aumento de 5%, havendo mais investimento no Serviço Nacional de Saúde, para além do alargamento da rede de cuidados continuados e o reforço dos cuidados primários, para além do investimento em algumas unidades hospitalares, algo que se conjuga com a redução do déficit.

Ou seja, numa primeira leitura, este será o orçamento ideal. Contudo, algo menos evidente existe, já que a comissão europeia – mais atenta do que o comum dos mortais – alerta para o aumento da despesa pública primária em 3,4% e a existência de um esforço orçamental abaixo o que se recomenda. Se a isto se juntar o facto de o governo estar a contar com 150 milhões de dividendos da Caixa Geral de Depósitos que podem não chegar porque é necessária a autorização da comissão europeia e do banco central, pode estar à vista uma derrapagem que será ainda maior caso a conjuntura externa não seja favorável à economia nacional.

Na verdade, o orçamento pode não ser eleitoralista e ser, efetivamente, realista. Dentro do que é possível tenta agradar a todos, falta-lhe, no entanto, arrojo e visão a médio e longo prazo. Não vai permitir que continuemos descansados, pois as ameaças à estabilidade orçamental são mais que muitas e o dinheiro continuará a não sobrar porque nem tudo se controla e neste caso há muitas variáveis que nos escapam.

Raúl Gomes