O teste

PUB.

Nunca a palavra fez tão sentido como hoje. Por mais que a internet e os dicionários modernos teimem em reafirmar a origem inglesa do conceito, quem conhece a etimologia das palavras portuguesas, sabe perfeitamente que esta deriva de tripallium – um instrumento de tortura, constituído por três paus, sob o qual os romanos obrigavam os prisioneiros de guerra a passar num ato de humilhação pública. Os dias que correm são, também, um teste à escala global que não deixa de fora qualquer dimensão da vida humana; abarca todos os continentes e ninguém se sente seguro, por mais subterfúgios que a mente consiga gerar para fazer frente a qualquer ameaça. Sendo esta capacidade que permite sobreviver em tempos de guerra, de sorrir no meio do caos e de olhar com esperança para um tempo futuro que se deseja auspicioso, neste momento, assiste-nos apenas a perplexidade e o medo de não saber como vai ser o amanhã.
À medida que o tempo passa, mais a ameaça do agora designado Covid 19 alastra pelo mundo e, no dia de hoje, fonte credível noticiou que já se encontra por terras transmontanas – facto que por si só atesta da sua perigosidade e da capacidade de disseminação que possui. Aqui reside uma primeira questão relacionada com a estratégia que cada país tem em conter a expansão do surto. As críticas às autoridades chinesas vieram de todos os quadrantes porque, face à sua política de controlo de informação, terão impedido que se conhecesse a real dimensão do surto, na fase inicial, o que impediu os profissionais de saúde de atuar de modo esclarecido. Todavia, quando o foco chegou a Itália já se conhecia o potencial mortífero do vírus e nem por isso se atuou a tempo e a horas. Nas cidades turísticas relativizava-se e nos polos industriais não se implementaram medidas que reduzissem a possibilidade de contágio. Também por cá aconteceu o mesmo – as instituições deram os primeiros passos para segurança dos cidadãos, mas estes relativizaram transformando um período de quarentena numa agradável ida à praia ou numas férias antecipadas. Pelo exposto, diremos que o primeiro teste será ao civismo e responsabilidade dos cidadãos em democracia, sob pena de se provar que sem estes dois valores de nada serve a liberdade individual que não passa de um mero adereço transformado em libertinagem.
A robustez da comunidade europeia também está debaixo de um olhar atento e o modo como se irá avaliar a forma como lidou com esta crise, será determinante na forma como se irá estruturar daqui em diante. Na eventualidade de continuar a reagir mal e de forma lenta, não deixará de ter consequências e ninguém pode, neste momento, assegurar que outros países não seguirão o exemplo do Reino Unido. Hoje, pode dizer-se que está aquém das expectativas. Se já foi adiantado um pacote financeiro para minimizar os efeitos, a solidariedade está a falhar no terreno. Quanto se sabe, Itália recebeu apenas ajuda da China em material sanitário e equipas médicas que irão partilhar a sua experiência com os seus congéneres. Aos apelos para limitar o espaço Schengen responderam os governos de que não faria sentido pois as ameaças vinham de todo o lado e há direitos que não podem ser postos em causa de forma intempestiva. No entanto, não consta que tal tenha permitido afetar recursos em áreas mais problemáticas dando a ideia de estarmos efetivamente num espaço comum.
Contudo, o maior teste vai ser à capacidade de resiliência de cada um dado ser garantido que esta crise não vai desaparecer de um momento para o outro. O cancelamento das atividades, bem como a perda de competitividade conduzirão à perda financeira generalizada pelo que quando se houve falar em crise iminente deve levar-se a sério e as famílias que começavam a ver a sua condição melhorar podem vir a ser confrontadas com uma nova recessão que deitará por terra qualquer sensação de reposição do poder de compra e de salários para valores de dois mil e dez.
Também o equilíbrio de cada um está comprometido se, face ao encerramento das instituições, e às notícias que a cada instante vão surgindo. É necessário por isso que se cumpram as regras de convívio social e as normas de sanidade que se conhecem, independentemente das apreciações que se possam fazer à atuação da direção geral de saúde ou ao governo. O número de vítimas é real e a quebra na cadeia de transmissão está na aprendizagem de novos hábitos. Sabe-se que a europa é hoje o epicentro da crise e ninguém sabe quando irá terminar o surto nem qual será o cenário de amanhã.
Como referiu o primeiro-ministro António Costa, esta é uma luta pela nossa própria sobrevivência e, como espécie, convém que se tenha a humildade de aprender com as outras que em tempos de crise se protegem face ao perigo. A ameaça já provou ser real e, se quisermos continuar com o mesmo estilo de vida, este momento é de sacrifício e de reflexão sobre práticas rotineiras que não dão prazer mas podem tirar-nos a vida.

Raúl Gomes