A Dr.ª Joana Marques Vidal é a actual Procuradora Geral da República cujo mandato termina agora em breve. A sua recondução ou a sua substituição têm sido polemizadas na sequência de declarações, algo precipitadas, da Ministra Van Dunem nas quais defendia a sua substituição uma vez o mandato ser único. Era, também, a opinião da Dr.ª Marques Vidal manifestada por mais que uma vez, sendo uma Conferência em Cuba um exemplo. O que é um facto é que no estatuto do Procurador Geral nada diz que o mandato não possa ser renovado e até nem diz quantas vezes. Historiando um pouco para se perceber melhor: em 1997 o Dr. Cunha Rodrigues já era Procurador Geral da República há 13 anos. Na altura o mandato de Procurador Geral não tinha limite temporal. Estava lá enquanto quisesse ou então tinha de ser demitido. E os Políticos agastados com aquela presença tutelar, sempre permanente, quase olímpica e até porque temiam dele ambições políticas, não tinham, no entanto, coragem para o afastar pois o homem, além de ter sido um Procurador absolutamente irrepreensível, tinha imenso prestígio quer no meio judicial quer no académico quer na Sociedade em geral. Então o PS e o PSD (pelo menos estes dois e com Marcelo Rebelo de Sousa Presidente do PSD) negociaram o novo estatuto do Procurador Geral onde o mandato seria longo, 6 anos, e seria único que era uma forma airosa de o afastar. Por uma questão de cortesia o Dr. Cunha Rodrigues faria o 1º desses mandatos e no fim dele cessaria essas funções uma vez o mandato ser único (nem tinha lógica haver renovação do mandato pois assim correr-se-ia o risco de o Dr Cunha Rodrigues se perpetuar na Procuradoria tal como estava a acontecer com o anterior estatuto. Se era para ficar igual não teria, assim, sentido a alteração). No entanto, apesar de ser este o espirito do legislador, o que é verdade é que o redactor, por inépcia ou esquecimento (não quero acreditar na intencionalidade), não verteu isso para português de Lei e assim a Dr.ª Joana Marques Vidal pode cumprir tantos mandatos quantos os necessários até à jubilação, assim o queira o poder político. Rigorosamente o que o novo estatuto queria combater. Mas foi neste “lapso legislativo” que as oposições viram uma hipótese soberana de embaraçar o Governo, já que este pela voz da Ministra falara na substituição de Marques Vidal, obrigatória por pensar ser mandato único. Então começaram a fazer pressão no sentido da sua recondução alegando a excelência das suas prestações, a forma firme e corajosa como fez frente a ricos e poderosos, a dignidade e credibilidade que transmitiu à Procuradoria e isto somado ao péssimo sinal que seria dado aos procuradores e à sociedade em geral se acaso ela fosse substituída. São argumentos um pouco ad hoc que suponho não serem sentidos a não ser em política pura. Assim, no que diz respeito à postura da Procuradoria face aos poderosos, se olharmos para trás vemos que Leonor Beleza, Miranda Calha, Filipe Meneses, Carlos Melancia, Torres Couto, Duarte Lima, Vale e Azevedo, Arlindo de Carvalho, Abílio Curto, Carlos Cruz, Nuno Cardoso, Pinto da Costa foram confrontados com a Justiça sem ser precisa a ajuda, que alguns acham indispensável, de Marques Vidal. Claro que esta e os seus apoiantes exibem Sócrates como uma espécie de Ás de trunfo. Mas em vez de contabilizar as “marcas nas coronhas” mais valia atentar nas palavras de Cunha Rodrigues reagindo a um elogio. Assim:” o Procurador Geral não tem processos, estes são dos Sr.(s) Procuradores”. Ou no dizer de Pinto Monteiro “o Procurador Geral é a Rainha de Inglaterra”. E é verdade pois senão também podíamos imputar a Marques Vidal a investigação ao Ministro Mário Centeno por causa de um bilhete de futebol numa demonstração de “nonsense” e jactância que só uma deriva persecutória podem explicar. Mas se o “caso Sócrates” é no fundo a imagem de marca do mandato de Marques Vidal também há nesse caso muitos apontamentos que não são de aplaudir. Ao lembrarmo-nos da autêntica telenovela que foram as violações sistemáticas do segredo de justiça, às quais a Procuradora Geral não foi capaz de por cobro, vemos prestações que descredibilizam. Também a publicitação dos vídeos do interrogatório a Sócrates que segundo Marques Vidal a deixaram agastada mas num agastamento inconsequente, que não se materializou em nada. Ainda o protelamento sucessivo da data para dedução de acusação a Sócrates foi coisa que descredibilizou bastante o Ministério Publico. Já ninguém acreditava nas datas. Marques Vidal sentiu isso e ainda sugeriu a Amadeu Guerra, superior hierárquico de Rosário Teixeira, que avocasse a si o processo Sócrates. Amadeu Guerra rejeitou essa hipótese por lealdade ou talvez aconselhado pelo anexim: “o menino!?Quem o acordou que o adormeça.” Mas onde se fez sentir mais a mão de Marques Vidal, ou antes, onde se fez sentir mais a ausência da mão foi no caso Manuel Vicente. O caso conta-se em duas penadas: Manuel Vicente, Vice-Presidente de Angola, fez uma compra com dinheiros que a uma dupla de Procuradores pareceram pouco claros. Quiseram, então, ouvir Manuel Vicente mas este gozava de imunidades e não acedeu. A defesa de Manuel Vicente pedia para o processo transitar para Angola. Depois de muita insistência, que já começava a perturbar as diplomacias, num assomo neo-colonialista, perfeitamente deslocado e desbocado, os Procuradores em questão disseram não acreditar na Justiça Angolana. Foi o fim. Houve ameaças de corte de relações diplomáticas com fortes implicações nas relações comerciais. Por fim e contra a vontade dos Procuradores, o Tribunal da Relação aceitou que Manuel Vicente fosse ouvido pela Justiça Angolana. Conclusão: Querer saber da proveniência dos dinheiros de Manuel Vicente quando aceitamos de bom grado os dos Chineses dos “Vistos Gold” parece-me pesca à linha, isto é, parece ter caracter discricionário e/ou persecutório; dizer não acreditar na justiça de um País soberano além da deselegância é uma provocação a que o visado retaliará naturalmente. É mesmo aquilo que não se pode dizer alto; querer aplicar a Justiça a um indivíduo, que além de gozar de imunidades é cidadão de um País que não tem com Portugal acordo de extradição, é uma atitude Quixotesca de uns Procuradores em bicos de pés pois não havia quaisquer condições para a sua aplicação. Manuel Vicente, para a justiça Portuguesa, é como um homem morto, não se pode perseguir. Podiam ter-nos poupado a este chorrilho de disparates que tão graves danos teve para o Estado Português.
A isto tudo assistiu Marques Vidal como a lágrima de Guerra Junqueiro”… ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.”
Um Procurador Geral que tenha da Lei e das atribuições do Ministério Público uma visão maximalista a ponto de não se preocupar com o facto da sua obstinação poder acarretar a ruptura das relações diplomáticas entre Países é tudo quanto não nos faz falta nenhuma.
P.S. Se dúvidas houvesse quanto à excelência da ideia do mandato único, o processo que agora se desenrola desfê-las por completo. Porque no caso de poder haver recondução há sempre um nome, o do Procurador que finda mandato, que está em jogo e em relação ao qual os Partidos e consequentemente a Sociedade em geral se posicionam a favor ou contra. Ora, a pretensão dos Partidos em terem voz activa na escolha do Procurador Geral é prerrogativa que não lhes assiste e, aliás, só se pronunciaram por conhecerem um hipotético candidato ao lugar. Se o mandato fosse único nem se pronunciavam porque nem os nomes em questão conheceriam. Por outro lado a fulanização da discussão e a tentativa de apropriação de um órgão de Estado pelos Partidos não têm qualquer sentido de Estado e além disso ensombra a dignidade e a solenidade da entronização do novo Procurador.