NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Francisco (Benjamim) Raba Junior (1743-02-26 – 1827-05-14)

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O mais novo dos irmãos Raba nasceu em Bragança meses depois de falecer seu pai. Foi batizado com o nome de Francisco e mudou-o para Benjamim quando chegou a França e se fez circuncidar. Tinha 20 anos e logo depois, em 1765, abalou para as Antilhas. Regressou a Bordéus em 1781,com uma boa fortuna. No ano seguinte casou com Esther Félicité Henriques Azevedo, 20 anos mais nova do que ele, filha de Jacob Azevedo, “um modesto agente de seguros quando chegou a Bordéus em 1746” (1) e que se guindou a um lugar de destaque no seio da nação, construindo uma forte casa de câmbios e seguros.
No seguimento da revolução francesa, Benjamim Raba, então mais conhecido por Raba Junior, foi um dos 6 deputados judeus eleitos à Assembleia Nacional de França, facto bem revelador da sua influência e prestígio. (2)
A pouco e pouco o irmão mais velho (Abraham) foi deixando a direção da firma “Societé Raba Frères” para o irmão mais novo – o único que tinha filhos machos e, portanto, em condições de assegurar a continuidade do nome da família. Esta liderança foi bem aceite pelos irmãos. Veja-se, a propósito, como esta preocupação pela unidade da família e conservação da sociedade empresarial familiar animava o irmão Aaron quando fez seu testamento em 28.6.1810:
-Deixo ao meu irmão Henriques Raba Júnior a parte que eu tenho na propriedade de Talence, assim como os meus bens móveis que ali se encontram e na sua falta deixo aos filhos machos do mesmo. Desejo que meus outros irmãos disponham da sua parte a favor de Mr. Raba Júnior e seus filhos machos, a fim de que a propriedade à qual estamos muito apegados permaneça na propriedade dos seus filhos fazendo bom uso da mesma, tomando de seus tios o bom exemplo. No caso de qualquer dos meus 3 sobrinhos, filhos de Raba Júnior, ou os 3 pretenderem casar, devem ter o consentimento do pai e da mãe e dos outros dois irmãos que estejam vivos e neste caso os meus irmãos Jacob e Gabriel, devem dar-lhe, cada um 12 000 francos a cada um, os quais eu lhes entreguei. E também a Elisée, um dos meus sobrinhos, devem ser-lhe pagos 3 000 francos adicionais (…) e esta pequena soma adicional é a prova da minha afeição especial por ele… (3)
Em 1774, vivendo ainda Sara, a matriarca, os Raba compraram uma quinta denominada Coudourne, em Talence, arredores de Bordéus. A quinta albergava um velho e arruinado castelo que os Raba reconstruíram e transformaram num verdadeiro centro de atração, conforme anunciava um guia turístico publicado em 1803:
- Talence fica no caminho entre Bordéus e Bayonne. Aí existe uma das mais belas casas de campo existentes em todo o país. Os seus proprietários, diferentes de todos aqueles que apenas desejam para si a fruição das suas propriedades, permitem a sua visita pelo público em geral e o apreço de todos aqueles que o fazem encontra-se testemunhado pelas muitas inscrições de reconhecimento que por todo o lado podemos encontrar. À entrada dos jardins estacionam sempre muitas carruagens. No dia em que fiz a minha visita, era domingo de Páscoa, contei mais de 100… (4)
Obviamente que, em tempos de revolução, semelhante moradia despertava os mais diversos sentimentos. E se, em tempos de paz, os Raba ali recebiam graves figuras do campo da política, das artes ou das letras, (5) no tempo do terror e revoltas populares que faziam rolar cabeças a torto e a direito, os proprietários, judeus, não dormiriam descansados. Assim se explica um jantar oferecido pelos Raba no palácio de Talence a um grupo de 40 importantes revolucionários dos “sans-cullotes”, entre eles o célebre Jean Baptiste Lacombe, presidente da comissão revolucionária de Bordéus, falando-se também de uma oferta de 200 000 libras. (6)
Com o seu próprio trabalho e com o apoio dos 8 irmãos, que todos o fizeram herdeiro principal de seus bens, Benjamim teve a “sorte” de um morgado e tornou-se um dos homens mais ricos de Bordéus. Para além do comércio com as Antilhas, ele exercia atividades de banqueiro e armador de barcos.
Na rede de negócios da família Raba aconteceu, porém, uma rotura. Vamos explicar. O irmão António, aliás, Moisés que viveu em S. Domingos durante 24 anos, entre 1763 e 1887, casou na colónia com Maria Cecile Fromangeau que lhe deu duas filhas. Uma delas chamou-se Luísa Maria Celeste e casou com Daniel Lopes Pereira. (7) Obviamente que Daniel foi integrado na rede como parceiro comercial dos cunhados. Os negócios correram-lhe mal e “a sua fortuna teve um acidente fatal”. Valeram-lhe os cunhados. Jacob, por exemplo, emprestou-lhe 40 000 francos. Outro tando o Aaron. Todos os irmãos Raba se referem ao caso em seus testamentos, fazendo questão de que ele deve tentar pagar a dívida e respeitar a família. A sobrinha, Luísa Celeste, no entanto, é contemplada por todos. Veja-se, por exemplo, as disposições do testamento de Jacob Henriques:
-Deixo a Mrs. Luísa Celeste, mulher de Daniel Lopes Pereira, a quantia de 20 000 francos como compensação pelo acidente fatal que sofreu a fortuna do seu marido (…) No que diz respeito aos 40 000 francos que da minha conta emprestei a Mr. Lopes Pereira, ao tempo do pagamento do seu compromisso com os credores, pelo que me está devendo parte do pagamento, dou autorização aos meus herdeiros que lhe dêem um recibo do que me deve. E futuramente deve Mr. Lopes Pereira pagar ele próprio as suas dívidas e que não perca de vista ou não se esqueça que os meus irmãos são os seus benfeitores. Se, contra o esperado, Mr. Lopes Pereira, a mulher ou os filhos levantarem algum litígio contra os meus herdeiros, sob qualquer pretexto, autorizo os meus herdeiros a não desistirem das reclamações que eu tenho contra Mr. Lopes Pereira. Nessa situação, cancelo todas as disposições que tomei a favor de Mr. Lopes pereira e seus filhos…
Resta dizer que a descendência de Raba Júnior se perpetuou até aos nossos dias. De seus filhos (3) e filhas (1), referência para o já citado Elisée Henriques Raba que ficou gerindo os negócios da família e para Joseph Henriques Raba que foi cônsul de Portugal (como o tio Salomon) e agraciado pelo rei D. João VI em 24.11.1823. (8) Está enterrado no cemitério Père-Lachaise, Division 7, e a sua lápide ostenta a seguinte inscrição:
-Ici reposeJoseph Henriques Raba, né a Bordeaux le 25 décembre 1793, décédé le 7 août 1849.

1- CAVIGNAC, Jean - Dictinnaire du judaisme Bordelais aux XVIII et XIX sieceles, pp. 16 e 17.
2-– SCHWARZFUCHS, Simon - Le Registre des Deliberations de la Nation Juive Portuguaise de Bordeaux (1711-1787), p. 578.
3- The National Archives – Record Offi Will of Aaron Henriques Raba. O testamento foi traduzido para a língua inglesa em 18.2.1826.
4-BERNARDAU, M. – Promenade a Talence, Bordeaux, 1803. O autor do projeto foi o famoso arquiteto Victor Louis que em Bordéus projetou também o Grand Thêatre  e em Paris construiu o Palais Royal e o edifício da Comédie Francaise.
5-O dramaturgo Pierre-Augustin Beaumarchais, criador da personagem Fígaro foi uma das personalidades que estiveram do palácio dos Raba, tal como o imperador Napoleão e a imperatriz Josephine.
6-SZAJKOWSKI, Zosa – Jews and the French Revolutions of 1789, 1830 and 1848, p. 532, New York, 1970.
7-Um dos filhos de Daniel e Celeste camou-se Joseph Emille Lopes Pereira e foi médico, com um cargo muito importante: inspetor dos banhos de Arcachon. Era casado com Maria Cardosa. Outros dois filhos do casal, Gabriel e Aristides, casaram na família Lopes Dubec, uma das mais importantes da “nação” de Bordéus. Lopes Dubec foi com Raba Junior, deputado à Assembleia nacional.
8-ANTT, Registo geral das mercês, li, 17, fl 232.

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães