Maturidade e Modernidade

PUB.

Agradou-me a forma serena, sóbria, neutra, da notícia da põe este jornal a propósito de uma manifestação de pessoas orgulhosas da sua condição sexual e companheiros de rota, os companheiros de rota é um aparte da minha lavra retirado do jargão político do pós-guerra que os manifestantes não sabem, logo não conhecem em profundidade e extensão.

Se o jornal revelou sobriedade e respeito pela atitude dos orgulhosos a servir de exemplo jornalístico (espero que o velho amigo Rogério Rodrigues comungue da minha opinião), a vetusta urbe ainda considerada aqui e acolá como ninho de hirsutos e violentos transmontanos ultramontanos árbitros de costumes de estadulho na mão a acometer rispidamente contra quem não cumpra o cânone do politicamente correcto.

Desde já declaro ter receado desacatos ou alarvidades quando li no Mensageiro um texto a dar conta da iniciativa, civicamente, os bragançanos reagiram como deve ser num tempo assente em cirros de modernidade mesmo quando a exuberância choca a nossa sensibilidade ou está nos antípodas daquilo que pensamos relativamente a comportamentos e modos de vida contrastantes com vigamentos civilizacionais e educacionais de outro talante. A cidade respondeu dentro do mote – vive e deixa viver – pespegando vistosa bofetada de luva branca a sacarrões de esquerda e de direita provando quão desligada da realidade é a ideia de o nosso vetusto burgo ser associado è existência de díscolos chauvinistas no tocante a comportamentos e costumes.

Os leitores recordam-se a polémica das «mães de Bragança» ter chegado à TIME, ainda nos tempos correntes o efeito gerado pela notícia a motivar reacções miméticas persiste, também por essa razão o notório alheamento da generalidade das pessoas é curial demonstração de modernidade, ao contrário das proibições e censuras reinantes em dezenas e dezenas de países com destaque para os do Médio Oriente, África e Ásia. Sem surpresa vemos, lemos e ouvimos ecos da repressão naqueles países muito aplaudidos pelos vesgos que a propósito de tudo, e a propósito de nada são lestos a condenarem Israel que sem ignorarmos os desmandos do sectarismo existe liberdade decisão.

Nos anos sessenta a claustrofobia no tocante às sexualidades era patente em Bragança ao exemplo da generalidade do País, se as meninas dos Colégios passeavam nas ruas de baixo da tutela de uma «zeladora», as do Asilo tristes nos seus vestidos modestos e iguais tinham o acolitamento de duas freiras, as restantes vigiavam-nas os pais, as avós, as tias, os irmãos mais velhos e os vizinhos. Ninguém (rapazes e raparigas) escapava ao crivo censório, no entanto, de vez em quando rebentava o cochicho denunciador do desvio, umas vezes a redundar em casamento, outras no exílio forçado da «pecadora». Manda a boa educação não exemplificar, o mesmo no referente a sussurros no anel do mesmo sexo. Exista um pobre homem cuja alcunha feminina servia de chacota, sendo ele alvo de sevícias, e rumores, rumorosos sobre este e aquele.

Enquanto a prática da prostituição foi legal, as toleradas (reparem no vocábulo) obrigavam-se a ir à revista, estas matriculadas viviam tranquilas no seio da Comunidade, altercações ocasionais e normais de vizinhança, já ao tempo prevalecia a cordialidade com as continuadoras da mais velha profissão no Mundo. Vários historiadores o escreveram.

Estes temas têm de ser tratados com enorme delicadeza, há anos tentei investigar modos de vida neste segmento da sociedade, ainda troquei opiniões com o Francisco Cepeda, desisti porque as parentelas são muito ciosas, as figurantes ou estão demasiado velhas ou morreram. A minha vizinha Canária deslindava episódios do arco-da-velha. Insólitos.

E, de um não efeito acabei a evocar mofinas vidas de uma época engrolada no sofisma das públicas virtudes e vícios privados. A Revolução de Abril permitiu destapar alguns processos referentes a tais vícios, um deles envolveu a morte de um apelido sonante da finança portuguesa, o outro é o conhecido caso dos bailados em «rosa», o falecido Fernando Ribeiro de Melo publicou-o e ofereceu-me um exemplar. Caso o leitor vasculha alfarrabistas ou livrarias antigas pode ter a sorte de o encontrar. Vale a leitura em virtude de o documento ser uma boa expressão do – debaixo do manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade –, no obscurantismo salazarista.

Armando Fernandes