A máquina da felicidade

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Nos últimos dias do ano somos sempre invadidos pelo balanço anual dos nossos amigos nas redes sociais. Há sempre algo filosófico a dizer, algo que mudou mesmo muito, algo bonito para mostrar, uma mensagem de esperança e, às vezes, de esconjuro dos últimos doze meses, que por algum motivo cósmico nunca identificado, não correram de feição. Há fotografias bonitas, onde aparece o melhor do ano velho. Reparem como é difícil falar do final do ano e do ano novo sem repetir a palavra “ano”. Por isso, vamos combinar que, destas linhas para a frente, 2019 passa a ser “o velho” e 2020 “o novo”, só por uma questão de praticidade.

Pergunto-me se queremos mesmo saber como foi o velho das outras pessoas, ou o que querem para o novo. Até porque, bem, nunca ninguém iria desejar um péssimo novo e, à partida, não vai ameaçar o novo com cobras e lagartos, e por isso não temos que nos preocupar com o bem-estar alheio, porque estamos todos a pensar no mesmo. Tudo que é novo, nós queremos. Porque novo é melhor do que o velho, que já é usado e já tem efeitos do desgaste.

Ainda assim, há uma coisa que me mete espécie – onde é que estão os desejos reais, do dia-a-dia? Só assistimos a pessoas que querem passar mais tempo com os amigos e a família, que querem viajar, que querem continuar a ir ao ginásio (de preferência, dia 1 de janeiro também), que querem, abstractamente, ser felizes. E isso é, de facto, somente abstracto, porque a felicidade é tanta coisa diferente.

Comecei a ter esta perspectiva daquilo que a felicidade é, ou posso ser, quando comecei a assimilar que com a idade esta concepção também muda. Desta vez, com o velho termina também uma década. E eu mudei de década, em termos de idade, e entrei nos 30. Nasci em 1989, já no final do ano, e por isso estou condenada a mudar assim as décadas ao sabor dos calendários. Claro que também quero todas as coisas bonitas que versam nas redes sociais, mas há outras que também quero e que me trazem felicidade. Felicidade que nunca tinha conhecido. Por exemplo, no final desta década (em que, em jeito de reflexão, marcou a minha passagem da vida de estudante para a classe trabalhadora), concretizei um sonho que vinha a marinar há alguns meses.

Assim, antes do velho acabar, comprei uma máquina de secar roupa. É um aparelho que me tem feito tão feliz como todas as fotografias de felicidade pura e sem poses que tenho visto nas redes sociais. E ainda tem a vantagem de ser uma felicidade com cheirinho e quentinha, apesar de talvez um pouco mais ruidosa do que o que imaginava.

Reparem que consegui, através do nosso combinado, evitar repetir a palavra “ano”, mas não arranjei outra para expressar correctamente “felicidade”. Afinal, tudo se resume a ser feliz, seja como for, até com a compra de uma máquina de secar.

A minha mãe costuma fazer sempre um brinde na Passagem de Ano, que é assim: “De hoje a um ano! Que corra pelo mesmo cano!”. E faço meus estes votos para 2020. Fora o Velho, venha o Novo. Estaremos todos preparados, à espera, carregadinhos de sonhos e de vontade de sermos felizes.

 

Tânia Rei