Efeitos colaterais

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O último mês foi pródigo em factos sensíveis para a opinião pública. Todos eles saltaram para a primeira página dos jornais, sendo que mais uma vez ficou provada a capacidade de Brecht em compreender a psicologia dos homens e, sobretudo, a necessidade de existir um efeito de alienação ou distanciamento en-

tre quem observa e o observado.

Muito se falou do caso Giovanni; teve ecos na imprensa internacional e aclaradas as pontas soltas, restam apenas as ideias feitas e os estereótipos que, fixados em texto, irão perdurar indiferentes aos afectos da família ou de quem com ele privou. De tal modo assim é que, passado um mês, uma interveniente no programa Prós e Contras e à falta de melhor argumento trouxe o assunto à colação rotulando-o de “crime racista”, quando, entidades responsáveis, de diversos quadrantes, já descartaram esta tese reiteradas vezes. Depois da espuma dos dias acalmar e como o mundo parece ser binário, a atenção focou-se nos alegados homicidas que, em consequência das redes sociais, imediatamente foram expostos e a sua genealogia escrutinada até onde o senso comum entendeu ir. Dissecadas as páginas do facebook e afins concluiu-se que, afinal, os alegados criminosos não são monstros vindos de outro planeta, nem bárbaros que invadiram a cidade pela calada da noite, mas são jovens de famílias com quem se cruza e socializa frequentemente.

Perante isto, e porque a consciência coletiva assim o exige, não havendo já a necessidade de encontrar os responsáveis, procuraram-se as causas. Porque jovens, alguns deles ainda há pouco nos bancos da escola, foi sobre esta que recaíram, em primeiro lugar, as responsabilidades. Também aqui o dedo acusador cristaliza as frases feitas, questionando o papel da escola de hoje em dia e os milhões que se gastam para formar quem por ela passa e comete tais atrocidades. É um facto que à escola se lhe retirou a missão de formar cidadãos socialmente comprometidos. As panaceias aplicadas desde os anos 80 sob a designação de projetos, conteúdos transversais e afins mais não são do que isso mesmo; não só porque a ideia de escola enquanto transmissora de saberes caiu por terra, como os próprios alunos e as suas famílias vêm nesta quase e exclusivamente uma mera entidade certificadora de saberes académicos. Também não se pode exigir que a sociedade reconheça legitimidade aos agentes educativos quando os sucessivos governos os vão achicanando na praça pública, chegando-se a proferir: “Perdi os professores mas ganhei os pais e a população.” Aos que acusam a escola, permita-se, pois contestar que se até com a escola se cometem estes atos, como seria se não fosse ela…

Outros responsabilizam as forças de segurança já que, sendo um grupo conhecido na noite, nada se fez até que se atingiu um ponto de não retorno. Não se contesta que para os agentes da província seja preferível colocar radares ou chatear quem estaciona na via pública à espera que um sénior entre depois de ter ido cortar o cabelo. Contudo, são sobejamente conhecidos os casos em que a polícia atua e, por força de uma lei que mais parece proteger prevaricadores, os criminosos são ilibados e os que zelam pela ordem condenados.

Os mais interventivos não poupam a autarquia, o instituto politécnico e a própria igreja – sendo a ordem dos factores arbitrária. A falta de uma política de integração da comunidade estrangeira, a ausência de um centro local de acolhimento ao Imigrante (CLAI) ou a pouca atenção dada ao novo tecido social da cidade são razões apontadas e que colhem se devidamente exploradas. Lamenta-se, no entanto, que se assaquem responsabilidades institucionais e não haja quem assuma que falhou individualmente sobretudo e porque, se um histórico de atos de violência acompanhava estes jovens, duvido muito que alguém se tenha deles acercado e chamado à razão.

Em termos institucionais nem tudo terá sido feito, mas hoje é notícia que o caso Giovanni levou a polícia, em conjunto com outras forças locais, a estudar a noite de Bragança na medida em que o caso revelou um universo desconhecido das autoridades porque as pessoas não formalizam denúncias, segundo declarações do comandante da PSP ao JN. Estão bem as forças vivas do concelho ao reconhecer que é necessário fazer mais e melhor. Não é caso para dizer que casa roubada, trancas à porta, mas haja capacidade de convocar novos atores, porque o que se fez durante anos em termos de intervenção na realidade sociológica de Bragança mais não foi do que mera operação de cosmética.

Raúl Gomes