E FORAM FELIZES PARA SEMPRE (OU TALVEZ NÃO)

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A felicidade absoluta não existe. Existem sim momentos de prazer que, muitas vezes, nos levam a desejar que se prolonguem indefinidamente. Contudo tal não é possível. A felicidade traduz-se na sensação de bem estar, percebida pelo cérebro, devido ao aumento de produção de serotonina. Esta condição biológica não é exequível. Porque, como disse no início, não é absoluta, pelo contrário é relativa. Traduz-se no aumento temporário de satisfação e, como tal, deverá regressar ao estado normal, mesmo que o estímulo inicial se mantenha. Ninguém consegue manter-se em estados permanentes de felicidade tal como, igualmente, ninguém persiste em estados contínuos de infelicidade.
É certo que, geneticamente, há indivíduos cujo estado de satisfação normal é superior ao de outros mas os limites são sempre transitórios. Numa escala de 0 a 10 podemos adimitir que o estados estáveis se situarão entre 4 e 7 e as flutuações provocadas pelos acontecimentos externos poderão levar, durante algum tempo, a níveis 9 ou 10 ou, por oposição, ao 0 e 1. Inevitavelmente regressar-se-á ao nível estável de partida. As pessoas com tendência para a boa disposição, voltarão aos seu estado de satisfação moderada e as rezingonas tenderão a regressar à sua condição  de angústia contida. Tal como se o estado psicológico de satisfação fosse um compartimento cuja temperatura seja controlada por um sistema de ar-condicionado cujo valor estável é pré-programado. A exposição ao ambiente externo provoca alterações na temperatura, para cima ou para baixo, mas, com o decorrer do tempo o sistema encarrega-se de a estabilizar ao valor fixado. A sensação agradável (ou desagradável) da transição é mais relativa que absoluta pois entrar num compartimento a 10.º graus centígrados pode causar-nos um arrepio ou uma sensação de calor dependendo do ambiente externo ser de grande calor ou glacial.
O grau de felicidade de quem adquiriu, para uso próprio, uma cabana numa floresta longínqua, pode ser, da mesma ordem de grandeza de quem acabou de se instalar numa fabulosa penthouse numa movimentada avenida de Nova Iorque. Para o que conta, o cérebero, não mede nem avalia a sofisticação da decoração ou a facilidade de acesso, bem como a tecnologia de apoio, mas tão somente a quantidade adicional de serotonina libertada.
É certo que a globalização e os meios atuais de comunicação elevam a fasquia que serve de limiar pois coloca em comparação não o que nos rodeia no nosso ambiente habitual, mas tudo o que de melhor existe em todo o mundo.

A revolta que levou à queda de Mubarack foi originada pela insatisfação que os egípcios sentiam... não porque se estivessem a comparar com os seus ancestrais do tempo de Ramsés mas porque o termo de comparação foi a sociedade ocidental, europeia e americana.

Por outro lado a sociedade descrita por Aldous Huxley em O Admirável Mundo Novo  em que um governo ditatorial induzia nos cidadãos, por meios biológicos e psicológicos um estado de felcicidade constante é assustador. Na minha modesta opinião, muito mais que o próprio 1984 de George Orwell.

Há aliás outras razões e argumentos para que esta demanda do Graal não possa ser mais que isso. Uma busca constante e permanente que, se atingida, retirar-lhe-ia a própria essência da própria procura. Em crónica futura e quando houver oportunidade, regressarei ao tema.
 

José Mário Leite