Da fama não se livram

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A não recondução de Joana Marques Vidal no cargo de procuradora-geral da república ainda vai dar muito que falar.

Poderia não ter passado de um normalíssimo acto administrativo, bastando, para isso, que o senhor Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República e o senhor António Costa, primeiro-ministro, não obstassem a que Joana Marques Vidal continuasse a cumprir a sua missão com o acerto com que o vinha fazendo.

Mas não! Optaram por transformá-lo no acontecimento político mais noticiado, comentado e criticado dos últimos tempos o que, por si só, muito diz da sua importância e do impacto negativo que teve e vai continuar a ter na opinião pública e, por antipatia, na atribulada vida do Regime.

É claro que o senhor Marcelo Rebelo de Sousa, tristonho, acabou por ficar muito mal no auto-retrato que partilhou com o sorridente senhor António Costa. Tratou-se, seguramente, da selfie mais enigmática e cinzenta do mandato do presidente da República, podendo mesmo ficar registada na História como o retrato fatal do regime.

Certo é que Presidente da República e Primeiro-ministro, matreiros, fizeram caixinha o tempo todo, deram sinais contraditórios, ouviram quem quiseram e o que não gostaram, mas acabaram por decidir contrariamente aos sagrados interesses da justiça e da democracia, na opinião dos mais categorizados analistas.

É o que se deduz, de resto, das explicações falaciosas que publicamente apresentaram, sem argumentos jurídicos bastantes e com potencial prejuízo da sacrossanta luta contra a corrupção que ironicamente dizem privilegiar.

Não é de admirar, portanto, que nas ruas se ouça muito povo murmurar que se mancomunaram para eventualmente favorecerem certos amigos e correligionários, no presente e no futuro. Da fama não se livram.

Por isso, a opinião pública, apaixonada, vai continuar a julgá-los, habilitada agora pela nova procuradora-geral da república. Se Lucília Gago demonstrar suficiente isenção, lucidez e coragem converter-se-á na pedra de toque que aferirá da pureza do ouro da verdade e boas intenções que nortearam o Presidente da República e o Primeiro-ministro.

Se, pelo contrário a sua determinação e independência soçobrarem funcionará como caixa-de-ressonância de todos os ruídos, suspeições e maledicências que já andam no ar e de tudo o mais que entretanto venha poluir a atmosfera política, muito embora o desempenho de Lucília Gago seja principalmente avaliado pelos potenciais processos escandalosos que ela própria desenterrar ou definitivamente abafar.

Matérias explosivas que poderão abalar os alicerces do próprio Regime dado que a animosidade da grande maioria dos cidadãos se aproxima de níveis altamente preocupantes.

A esmagadora maioria dos cidadãos não controlados partidariamente vai estar, por certo, particularmente atenta ao evoluir dos acontecimentos, de olhos e ouvidos focados no desempenho da nova procuradora-geral da república e de facas afiadas para justiçar as figuras públicas reinantes que durante este tempo todo se constituíram como réus, coniventes, colaboradores ou simplesmente encobridores de actos de corrupção.

Maioria que começou por encarar tais actos com gozo, ironia e diversão, mas que agora está mais compenetrada e crente de que tem sido sistematicamente ludibriada e prejudicada, o que a torna vulnerável a perigosos populismos e radicalismos.

O senhor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, o senhor António Costa, Primeiro-ministro e seus afins, que se cuidem.

 

Este texto não se conforma com o novo

Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro