A armadilha

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Quando António Costa liderou com sucesso a formação da plataforma de apoio ao Governo Socialista que ficou conhecida por Geringonça, foi, repetidamente, afirmado que se havia ultrapassado uma linha vermelha de décadas. Foi sem dúvida um facto histórico ver a esquerda do PS a apoiá-lo, sem qualquer quebra (apesar das naturais e “necessárias” críticas), mesmo nas medidas operacionais de que discordava. Mas esta suposta linha estava marcada num caminho que não nascia ali; já vinha de trás. A verdadeira viragem, o início desta caminhada, aconteceu quatro anos antes quando o Bloco e o PCP abriram caminho para o acesso ao poder de Passos Coelho e Paulo Portas. Isso ficou claríssimo nas declarações quer de Jerónimo de Sousa quer de Catarina Martins na noite das Eleições Legislativas de 2015. A esquerda portuguesa estava refém de si própria, com sentimento de culpa por ter entregue o Governo da Nação ao extremo político oposto e desejosa de se redimir e, tanto quanto possível, sair da armadilha em que tinha caído. António Costa percebeu isso de imediato e tem usado esta situação da melhor forma, em seu proveito. Depois de ter aberto os corredores de S. Bento à Direita, a esquerda foge desse cenário como Maomé foge do toucinho. Foi por isso que o líder socialista os empurrou para a Geringonça, os dispensou no início desta legislatura e os vai recuperar agora e sempre que precisar do seu apoio. Costa, disposto a pagar o necessário para aceder à chefia do governo, como hábil negociador que é e talentoso político, não pretende despender um único cêntimo por algo que pode ter gratuitamente. Digam o que disserem, quer o PCP, quer o BE tudo farão para evitar a queda do governo, com receio de servirem, de bandeja, a presidência do Conselho de Ministros ao lado oposto do espetro político nacional. Evitará, inclusivamente, obrigar o governo a procurar apoio no PSD o que, com Rui Rio, não é uma impossibilidade. O facto de o PCP ter votado contra, não desmente o que atrás foi afirmado, antes pelo contrário vem confirmá-lo. Ao votarem contra, os comunistas sabiam bem que a aprovação não estava em risco; mostraram que não se revêm nas opções socialistas e quando as apoiam é por receio das consequências governativas e não por adesão ideológica; sinalizam (ficou claro nas justificação dada pelo líder parlamentar do PCP) o desagrado do apoio recolhido junto do PSD; tiveram o cuidado de, através do presidente do partido, avisarem já que não vislumbram qualquer crise política, no curto prazo (entenda-se, se for necessário, nós estamos cá e não falhamos)! Em termos gerais, nacionais, a situação não está fácil para o Governo que, atingido o primeiro superávite se preparava para surfar a onda da folga orçamental, arrumado Centeno, libertando o Primeiro Ministro para “fazer política” com os recursos públicos disponíveis, se viu mergulhado numa crise grave e profunda mesmo que ainda não seja totalmente conhecida, nem sentida a sua amplitude. Mas, politicamente está, dadas as capacidades e qualidades do Secretário Geral do PS, como peixe na água. A esquerda evitando a todo o custo o cenário de 2011 e o PSD, acossado pela sua direita, contentando-se em impedir o de 2015. De ambos os lados haveria disponibilidade para partilharem o poder com o atual detentor. Mas, o que poderiam oferecer, em troca, estabilidade política, tem-na António Costa, gratuitamente, por causa da teia enredosa em que se encontram.

José Mário Leite